Comportamentos e fases desafiadoras – Parte 1
*Use fones de ouvido para escutar melhor o áudio.
Não só no Autismo, mas também na adolescência, o comportamento é um grande desafio e precisa ser compreendido como expressão e também orientado no sentido de não dificultar a aceitação da pessoa junto a seus colegas, amigos e até mesmo à família. Não se trata de “normalizar” ninguém, mas apontar alguns limites muito necessários e dos quais não há como fugir.
Somos seres sociais e vamos precisar conviver, há regras para que isso aconteça e nossos filhos precisam entender estas regras, mas creia, quando juntamos Autismo e adolescência temos um desafio bem grande neste sentido e para isso temos que nos preparar.
Este post virá acompanhado de uma explicação mais teórica para aqueles que estão pesquisando o assunto, mas como o texto ficou bem mais “técnico” e eu sei que muita gente não se sente atraída por este tipo de texto eu vou fazer uma introdução do jeito Mundo da Mi de ser e depois deixo a outra parte para quem gosta e quer se aprofundar. Serão três posts sobre o assunto, aguarde as partes 2 e 3.
Adolescência + inflexibilidade mental
Vocês que nos acompanham sabem que Milena não lida bem com o não. Isso nem longe significa que não damos limites a ela ou que ela faz o que quer, nada disso! Ela é, sim, muito bem-educada. Porém algo chamado inflexibilidade mental, que vem no pacote do Autismo, faz com que ela reaja muito mal quando sua vontade é barrada por alguém. Em termos de lidar com frustrações ela evoluiu demais, mas ainda é um problema.
Mais que apenas hormônios, as pesquisas indicam que regiões do cérebro se desenvolvem mais nesta fase da vida que traz como característica a necessidade de recompensas mais imediatas e a impulsão.
O adolescente é muito impulsivo e para isso vários fatores contribuem. A ciência hoje se esforça em explicar porque uma criança apresenta mais controle de impulsividade que um adolescente. Mais que apenas hormônios, as pesquisas indicam que regiões do cérebro se desenvolvem mais nesta fase da vida que traz como característica a necessidade de recompensas mais imediatas e a impulsão. No Autismo, a partir da infância, os mecanismos de inibição de comportamentos são problemáticos e daí dá pra imaginar o quanto o jovem adolescente autista sofre para conseguir controlar seus impulsos.
Aqui em casa não tem sido diferente, nossa mocinha tem apresentado impulsividade a toda hora e às vezes parece que surge do nada. Aos olhos de um leigo seria assim. Como sabem, eu sou a maior especialista mundial na minha filha. Por isso, de tanto treinar na infância, já identifico em 90% das vezes o que a está motivando o comportamento desafiador ou seus impulsos quase sempre agressivos. Daí eu explico a ela – e tenham certeza que só o fato de explicar isso para ela sobre suas próprias emoções já ajuda muito.
Certa vez, com a professora de inglês…
Vamos ao exemplo: Milena tem aula de inglês em casa e a professora chega justo após o horário que ela chegou da escola, lanchou e tomou banho. Nos demais dias ela vai descansar, mas duas vezes na semana é hora da aula. Outro dia a professora chegou e elas são bem amigas, como tinha tido programação diferente na escola, ela já estava com uma sobrecarga sensorial (leia mais no link abaixo) e por isso ao chegar na sala olhou para a professora, mostrou língua e fechou a porta do corredor na cara dela. Ficou quase vinte minutos chorando bem alto e só depois de se acalmar veio para a sala. Já muito arrependida, pediu desculpas e ficou envergonhada.
Eu preciso ensinar a ela que isso não se faz. Na hora da crise não se ensina nada, o cérebro não processa nada com a sobrecarga do estresse. Por isso eu ofereci o que ela precisava: minha calma. Disse que eu estava bem e que quando ela quisesse eu ajudaria. Não dei bronca e fiz o que sempre fiz, ignorei o comportamento sem ignorar o fato de que ela precisava de ajuda.
[…] além da nossa orientação, ela tem nosso exemplo.
Mais tarde, quando estávamos na cama no nosso ritual da hora do sono, eu falei sobre o que aconteceu e ela, envergonhada, pediu de novo desculpas. Eu disse a ela que se esse comportamento se repetisse ela iria perder as aulas e que este tipo de comportamento com grosseria não é tolerado aqui em casa.
Nós damos o exemplo por aqui e jamais gritamos ou discutimos faltando com respeito a ninguém, ela sabe que não gostamos deste tipo de comportamento, além da nossa orientação, ela tem nosso exemplo, sim foi necessário nos educarmos mais, ainda seguimos aprendendo a agir de acordo com o que falamos e foi o autismo que nos obrigou a isso, ponto pro autismo provando que tudo na vida traz ganhos não é?
Durante a semana, segui reforçando, uma vez ao dia (escolhendo bem o momento) eu dizia: “lembra da aula de inglês, só merece ter a aula quem sabe se comportar”.
É claro que eu sei o quanto ela gosta das aulas e da professora, por isso foi possível controlar o comportamento com a ameaça da perda. Mas se ela não gostasse da aula, seria o contrário, eu estaria dando a ela a ferramenta perfeita para escapar desta demanda. Por isso, temos que ter cautela e ajustar a estratégia em cada situação.
O mais importante é entender que ela não agiu por mal, eu conheço a minha filha e sei o quanto ela é doce e meiga. Ela estava em crise e sem saber como expressar sua angústia ela fez algo impulsivo e negativo. O meu papel é ensinar ela a entender suas emoções e depois trabalhar com ela formas de controlar. É tão lindo e fácil aqui escrevendo, mas no dia a dia é tão difícil. Mas, como sempre gosto de reforçar: difícil não é impossível.
Ensinando ação e consequência
O mais difícil quando tento compartilhar este assunto é o risco das pessoas acharem que eu faço chantagem: se comporte e você ganha isso, se não se comportar não te dou aquilo… Não é suborno, não é uma troca, longe disso, nós mostramos que há consequências para o esforço positivo e há consequência para quem quer persistir no erro. Eu digo a ela: “me dê sim e você ganha sim”. Ou seja, se mando ela pro banho e ela desobedece, eu lembro que ela irá me pedir algo – seja o que for – e se ela me dá um não eu devolvo o não para ela outra hora, reforço dizendo que ela faz o esforço em me atender e como consequência nós vamos nos esforçar também. Mas eu não fico ameaçando: vai tomar banho que depois eu te dou tal coisa.
Eu sei é difícil demais entender a diferença entre trocas e consequências, mas essa sutil diferença traz uma grande mudança!
Eu sigo aplicando a regra sempre que possível e digo a cada coisa que ela pede e ganha, que como ela tem sido uma ótima filha, ela tem merecido o nosso esforço. É legal, pois até um copo d’água que ela me pede eu atendo dizendo: “claro, você me diz sim e eu te digo sim”. Não se esqueça, consequência é diferente de barganha, Milena entende bem isso.
Pois bem, vamos seguindo por aqui entre as tempestades e calmarias desta fase adolescente onde aprendo muito, mas confesso me deixa exausta. Espero que você também encontre seu caminho.
Aguarde as próximas partes do texto!
No mais um grande e carinhoso abraço com gratidão imensa por sua leitura ou escuta.
Um sonho de post! Eu tento aprender essa calmaria, mas agora, inicialmente, há quase 01 ano de diagnostico do TEA na minha família, com um baixinho de apenas 03 anos, às vezes não consigo me controlar. Ele é muito inteligente, ele sabe onde estão os pontos fracos da nossa família e ele consegue nos tirar a calmaria em meio às suas agitações, seus comportamentos desafiadores e às vezes agressivos. Há horas em que sinto que falo pro vento. Tento me conectar e não consigo resultado… Eu quero aprender a controlar isto e saber como mostrar a ele que um NÃO… Leia mais »
Thaisa a primeira atitude de inclusão é nossa para com a gente mesmo. Às vezes a gente perde o controle, a calma, a paciência… é humano isso. Aceitar e seguir em frente sem se culpar mas consciente de se melhorar sempre. Depois, “falar pro vento” é mesmo a impressão que muitos autistas passam, mas que não é real. Sem prestar a atenção padrão, eles nos ouvem e acompanham tudo o que acontece, não se engane, ele ainda vai te dar provas disso. Continue falando, mas mais que isso ensine agindo, mostrando com encenação, sendo exemplo também (o mais difícil)… Formas… Leia mais »
Eu me encaixo nessa situação. Minha filha mais nova também é autista (asperger), vai fazer 16 anos no mês que vem e eu me vi inteira nesse texto. Muito bom e esclarecedor!
Que bom saber que fez sentido para você Kátia. É bom quando sinto que represento as pessoas com meus textos.
Um abraço com muito carinho e admiração por sua luta.