Diagnóstico

Autismo em Bebês, minha visão – Mitos que atrapalham

*Use fones de ouvido para escutar melhor o áudio.

Esse texto é uma continuação de uma série sobre a nossa história do diagnóstico, desde a desconfiança de algo errado aos quatro meses de idade até o diagnóstico de Autismo aos quase quatro anos.

Um dos problemas que fazem atrasar o diagnóstico do Autismo é a existência dos mitos sobre o Autismo.

A criança com Autismo não brinca, não é carinhosa, não aprende, não olha nos olhos, não usa a imaginação e por aí vai. Lembro de que no início, toda vez que alguém dizia: “sua filha desenvolveu demais desde a última consulta” eu pensava: passou, vencemos o diagnóstico. Um dia a médica elogiou tanto o boom do desenvolvimento da Milena que eu perguntei: “então ela saiu do espectro?” A resposta foi um sorriso de dó… Eu realmente não entendia na época que a criança com Autismo também se desenvolve, também aprendi que: “ ter dificuldades em…” não significa “não ser capaz de…” quando eu finalmente entendi isso, meu olhar se modificou.

É curioso ver quantas mães me procuram com a dúvida de que seus filhos tenham Autismo, enquanto elas mesmas ficam tentando me convencer de que eles não têm. É quase inconsciente, mas apresentam argumentos sobre a inteligência, o carinho como se isso descartasse o Autismo.

Saibam vocês que as pessoas com Autismo não estão isoladas no seu próprio mundo. Elas percebem e entendem o que acontece, mas não conseguem comunicar com você no padrão que você está acostumado. Às vezes reagem a um acontecimento horas ou dias depois, às vezes não verbalizam que estão tristes ou ansiosas, mas estão.

Por isso, esqueça essa impressão de que estão isolados e felizes em “seu próprio mundo”. Se seu bebê se isola, vá lá fique do lado, não imponha, mas conquiste a confiança dele e vá aos poucos, com respeito interagindo com ele, deixe o bebê ou a criança te guiar, te conduzir e sem forçar você aos poucos, troca os papéis, aos poucos você conduz a brincadeira e aos poucos vai ensinando a importância da troca de turnos ou o “cada um na sua vez” e com o tempo este compartilhar vai acontecer, o imaginar e o brincar vão acontecer, mas livre-se das expectativas de um padrão de brincar como outra criança típica. E por favor não tenha pressa, difícil né? Eu sei! Mas sua pressa traz também o controle pra você é quem controla não vincula, o mais importante é a criança se sentir aceita e entendida e só assim ela vai se deixar devagar se conduzir.

Crianças com Autismo são carinhosas, mas pode ser que gostem de ter elas a iniciativa do carinho. Pode ser que não consigam lidar com o estímulo sensorial que vem do toque (acontece às vezes). Tente conhecer sua criança fazendo o seu perfil sensorial. O que ela gosta? O que evita? Mais uma vez, faça uma lista e isso vai te direcionar.

Vale muito a pena pesquisar e se informar sobre Processamento Sensorial que pode ser afetado independente da criança ter ou não Autismo, mas que é muito recorrente na quase totalidade das pessoas que estão dentro do TEA.

Há dois tipos de perfis dentro dessa abordagem, hipersensível que é quando eles não processam bem algum estímulo e por isso o evitam ou reagem de forma intensa diante por exemplo, de um barulho inesperado ou algum barulho específico (máquina de lavar ou barulho de moto). Já o perfil hipo-sensível é aquele em que ele ou ela não percebe o estímulo, pode ser algo que deveria incomodar como um sapato que machuca ou o barulho muito alto que não parece afetar esta criança. Estes irão buscar por este determinado estímulo, como o impacto por exemplo, a criança pode pular o tempo todo ou bater na própria cabeça para ter estimulação no sentido proprioceptivo.

A disfunção do processamento sensorial pode estar em qualquer um dos sentidos e como eu disse, vale a pena pesquisar mais a respeito ou procurar uma avaliação na Terapia Ocupacional ou até a Fisioterapia especializada, que foi o nosso caso. Milena começou esta terapia aos oito meses de idade e como me ajudou a conhecer sobre as dificuldades da minha filha.

Milena tem hipo-sensibilidade à dor por exemplo. Ela não percebe que machucou, até uma queimadura já descobrimos nela sem ela ter reclamado. Mas às vezes ela fica sensível demais e qualquer esbarrada em móvel, faz ela gritar. É assim com barulho e por isso ela vive por aí com seus fones de ouvido porém, ela pode suportar uma música alta. No caso dela, está muito ligado ao previsível, se ela consegue controlar o estímulo ou sabe que ele vai acontecer, não há tanto problema como se for algo que chegue de forma inesperada.

Por isso tome nota, quando perceber algum incômodo que pode vir de toque, de luzes, de barulhos, de movimento, diferença de texturas de roupas ou objetos, pode vir de cores, de comidas, cheiros, consistência da comida, cor da comida, pode vir também de um chão que tem relevo ou até da cor diferente do pavimento. A Milena por exemplo sente desequilíbrio quando a cor da calçada muda e foi bem difícil identificar esta dificuldade.

Por último, crianças com Autismo aprendem, progridem e se desenvolvem. Não pense que porque uma criança é superinteligente não pode ser autista ou ao contrário, que toda criança com Autismo será um gênio como Einstein ou Bill Gates… Esquece isso. Menos de 30% das pessoas com Autismo têm habilidades especiais. É um número muito maior que a população em geral, mas ainda assim muitos autistas vão apresentar uma inteligência no padrão ou abaixo dele.

Nem todo profissional que você consultar te dirá estas coisas… Alguns vão insistir nos mitos. “Sua filha não tem Autismo pois quando entrou no consultório me olhou direto nos olhos”, autistas não fazem carinho”, eu ouvi uma vez e tenho escrito um laudo de um especialista que diz : “a independência dela aliada ao fato dela apontar, descartam o diagnóstico de Autismo”… Sim, profissionais bons também comentem erros no diagnóstico do Autismo.

Hoje em dia consigo identificar o Autismo com facilidade, mas eu como qualquer pessoa estou sujeita a erros é claro. O problema é que tem muito “dono da verdade “ que não admite estar errado. Por isto cuidado.

Eu sempre digo pra quem me procura que não cabe a mim dar diagnóstico, eu não faria isso nem no meu consultório como psicopedagoga porque este é o papel do psiquiatra infantil, neuropediatra, pediatra do desenvolvimento e neuropsicólogo especializado em Autismo. Os demais profissionais terão papéis importantes na avaliação que vai compor o diagnóstico, mesmo assim, muita gente que conheço tem diagnósticos feitos por fonoaudiólogos, psicopedagogos, ou outros profissionais que não são qualificados para tanto, o que demonstra o desconhecimento destes profissionais em relação até mesmo ao seu próprio papel. Por isso se informar é tão fundamental.

Outros sinais a buscar

Após todas estas considerações sobre desenvolvimento alterado e dificuldades em captar informações do mundo, se apropriar dos valores e dos significados principalmente sociais, expressar ou comunicar com gestos e expressões faciais ou mesmo a dificuldade na comunicação através das palavras, espero que tenha ficado claro não só a importância de entendermos como isso afeta o desenvolvimento e consequentemente a vida de uma pessoa, mas também que as pessoas com Autismo não agem fora do padrão porque querem ser diferentes ou porque seus pais não ensinam ou educam como deveriam. Estamos falando aqui de um quadro de dificuldades orgânicas, que se percebido precocemente ou não, deve ser conduzido a um programa de estimulação e ensino de habilidades.

Nunca é tarde para começar! Eu testemunho minha filha aprendendo coisas novas aos dezessete anos de idade, porém não há como negar que a primeira infância é a idade onde a prontidão para aprender é muito maior.

Finalmente, eu quero deixar o relato do que eu incorporei na minha vida e que se mostrou ao longo do tempo muito útil e contribuiu decisivamente para que, mesmo com todas as comorbidades (apraxia de fala, dificuldade de aprendizagem, transtorno motor, hipotonia e transtorno sensorial), minha filha tenha se desenvolvido tão bem.

Quase todos os textos deste blog estão dedicados a falar sobre estas estratégias, mas finalizo com alguns pontos principais que eu aprendi na prática e vi se confirmarem não só nos bons resultados que obtive, mas também nos depoimentos de autistas que venho encontrando, na convivência com eles ou mesmo em forma de livros, depoimentos e testemunhos.

Procure alimentar sua criança de atenção, mesmo que te pareça que sua presença não faça diferença. Estes momentos são absolutamente essenciais para que você aprenda a interpretar cada foco de atenção, gesto ou expressão. Você pode ajudar a despertar o interesse pelo brinquedo, pelos objetos, ajude nesta exploração e nas descobertas que um bebê com desenvolvimento típico faz por conta própria, seja você esta ponte entre sua criança e este mundo de novidades.

· Aos poucos dê voz ao que você vê, ensine ele ou ela a se expressar sendo por um tempo a pessoa que fala por ele. Expresse surpresa com entonação de voz do tipo, “que lindo a tampa vermelha, olha como encaixa, ela abre e fecha olha só!”. Faça também pequenas atuações como uma criança faz ao fingir que o carrinho faz barulho, que o boneco está conversando com o outro e não espere por reações ou atenção, vai acontecer ocasionalmente, mas mesmo sem respostas, siga se expressando pois sem perceber, você está modelando futuras expressões dessa criança.

· Mostre o mundo, aponte as coisas à sua volta, faça narração do que acontece no ambiente. Explique as cenas e tudo o que acontece ao seu redor sempre que possível. Ensine para o que olhar, o que devemos captar e aprender destas situações corriqueiras. Eu sei que todo parente faz coisas assim, mas você deve fazer mais, bem mais frequentemente. “Olha o cachorro, está latindo e a menina está assustada”, “que barulho alto, é um caminhão”, “veja o papai sentou na mesa, nós vamos almoçar, eu estou com fome…” E mais um milhão de possibilidades.

· Brinque, brinque, brinque! A brincadeira é o palco de aprendizagem mais importante da infância e a criança com sinais ou diagnóstico de Autismo precisa ser estimulada para brincar, pois ela talvez não se interesse tanto ou não brinque de forma adequada.

Um bom exemplo disso é o enfileirar coisas que algumas crianças com Autismo fazem. Você pode pensar que por estar manipulando os brinquedos essa seja uma brincadeira, mas não é. Você pode deixar este enfileirar acontecer, mas aos poucos brincar ao lado, e como quem não quer nada tente atrair sua criança para se divertir com você, talvez isso leve tempo, mas insista, pois vale a pena. A mesmice acontece com alguém que não consegue perceber outras possibilidades e repetição traz conforto quando as mudanças não são entendidas.

· À medida que o bebê for crescendo vá antecipando a rotina dele, diga que agora é de manhã e nós vamos à pracinha, estabeleça uma comunicação que fale sobre tempo e períodos, manhã, tarde e noite, semana e final de semana, explique sobre as horas, fale sempre sobre o que você pretende fazer com o dia dele ou dela. Essa noção de tempo e estrutura de rotina pode ser confusa e trazer ansiedade e interferir no desenvolvimento. Falo sobre isso em outros posts, essa noção de tempo foi tão importante na vida da minha filha, que eu não poderia deixar de falar sobre isso. E uma rotina estruturada ou o simples fato de contar pra criança o que vai acontecer no dia dela, não significa repetir afazeres e trazem um ganho imensurável.

Finalmente esta série de textos chega ao seu final. Mesmo sabendo o quanto ainda há para se falar, eu não posso ter a pretensão de esgotar o assunto. Se consigo acrescentar mesmo que seja despertando o seu interesse em procurar mais informação já fico feliz. Há bons canais no YouTube, perfis maravilhosos no Instagram, além dos outros blogs, sites, livros, artigos e matérias na internet.

Espero de verdade ter contribuído e se neste momento você vive a dúvida de que seu bebê ou criança possa estar dentro do espectro do Autismo, saiba que pode até haver muitos desafios a te aguardar, mas sem dúvida alguma, há também muita vida, alegria e descobertas nesta jornada nada fácil, mas muito rica. Fico na torcida para que essa jornada seja para você o que for, pelo menos não seja solitária e que você siga na certeza que o teu melhor guia será sem demagogia nenhuma, o amor.

Obrigada por chegar até aqui.

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Quero que você saiba que não tenho a pretensão de apontar nenhum caminho nem ensinar nada. Tudo o que está escrito aqui tem a minha versão pessoal, baseada na minha própria vivência e que tem funcionado para mim e para minha filha.

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