16 anos,  Adolescência

Significados atemporais, nós e o Natal


*Use fones de ouvido para ouvir melhor o áudio.

Outro dezembro… Foi com você minha filha que comecei a contar o tempo assim. Acho que antes a vida seguia e eu seguia junto vivendo como dava. Chegou você e eu aprendi a arte de desafiar o tempo. Era preciso aprender sobre marcos, era imprescindível traçar objetivos para terapias e entender o seu tempo. Mesmo respeitando o seu ritmo, era preciso te impulsionar.

Atraso, retardo, diagnóstico precoce, terapia intensiva, palavras que ditaram os calendários e ajustaram a minha ótica. Hoje, conto a história por grandes conquistas: apontar de dedos, olho no olho, primeiras palavras e tantos outros imensos pequenos milagres.

As datas passaram a ser indicativos para te prontificar ou não para o tal futuro, que exige coragem de cada pessoa independente de sua condição neurológica. Eu te queria competente e mais do que tudo te queria feliz.

Hoje em dia é comum eu me pegar refazendo na memória essa nossa trajetória. Nem saudosismo, nem melancolia. Retomo os nossos passos quando uma nova mãe desconfia de Autismo em seu bebê ou quando sou questionada sobre como chegamos até aqui. Faço isso também em datas especiais e finais de ano ou sempre que te vejo feliz.

16 dezembros

Me lembro o primeiro dezembro festejado com você recém-chegada. No próximo dezembro, a angústia de perceber você com o olhar distante enquanto os bebês da sua idade olhavam maravilhados para as cores do Natal. Aos quatro anos você reparou, aos cinco ajudou a montar a árvore e entendeu que podia pedir um presente. Aos poucos, os significados fizeram algum sentido e pude te ver vivendo o Natal.

Post de 2014, ainda atual.

Lá se vão 16 dezembros e como tem sido bom te ver crescer em capacidade de elaborar coisas tão complicadas como ciclos, ausências e distâncias, idiomas e datas especiais. Do seu jeito você interpreta tudo e já não precisamos de tantos ajustes. O mundo que não te aceita é aquele mundo pobre, das mentes mesquinhas, então a gente se afasta dele, você entende e a gente segue sorrindo. Não tem sido fácil para nós, mas como você tem me ensinado sobre aparência de fragilidade para quem é tão forte e a real fragilidade escondida nas máscaras de orgulho.

Todos esses novos significados, todas as suas imensas conquistas me fazem ser grata por mais um ano e imensamente agraciada por ser sua mãe. Feliz Natal minha Milena, Feliz Natal Mundo da Mi <3

Após o texto um pouco de notícias

Para quem nos acompanha no Instagram, compartilho nossos dias com mais frequência. Mas aqui no blog tenho vindo com muito menos frequência do que eu gosto. Milena está bem na escola, cada vez se comunica mais em inglês e é bem bonitinho ver que ela tem um bom vocabulário e consegue articular bem neste idioma.

Estive recentemente em uma reunião na escola e foi muito impressionante ver todas as fotos e vídeos do que ela faz por lá. Eles têm investido pesado nas habilidades dela para a inserção no mercado de trabalho. Este tem sido o foco e a diretriz da escola e por isto ela faz compras, aprende a organizar coisas e no próximo ano vai começar a ajudar em algum setor da própria escola. Ela continua recebendo, na escola mesmo, a Fonoaudióloga e a Terapeuta Ocupacional. Terminamos a terapia com a Psicóloga, pois os vômitos passaram e ela estava seguindo bem a rotina de Yoga e exercícios que ajudam a controlar a ansiedade, como os exercícios de respiração, contar, relaxar com música ou squeeze muscle (contrair músculos). Agora, porém, estamos com hóspedes por um longo período e a rotina está bem alterada.

Rotinas em casa

Em casa, ela tem enfrentado os hormônios e as mudanças de humor são frequentes. Tem dias que as obsessões (assuntos, temas fixos) estão frequentes e isto exige uma enorme paciência. Ela tem ficado muito tempo no tablet e, por isso, continuamos saindo bastante de casa. Como sair já faz parte da rotina, ela não se importa. Quando voltamos ela corre para falar ou trocar mensagens com as pessoas que ela gosta no Brasil e assistir vídeos no Youtube.

Em casa é impossível falar com ela em inglês. Conseguimos trocar algumas frases, mas ela não prossegue falando com a gente e por isso desisto.

Sinto que muitas características de Autismo que antes eram difíceis de serem percebidas agora estão muito mais evidentes como, por exemplo, a falta de flexibilidade. Hoje percebo o quanto ela espera ter sempre a mesma resposta ou a mesma estrutura para tudo o que faz. Por exemplo, se estamos na rotina de secar o cabelo e alguém se aproxima, ela reage, mesmo gostando da presença da pessoa. Às vezes, até querendo que a pessoa esteja por perto, ela se desorganiza, porque geralmente este é um momento nosso e até as brincadeiras que fazemos nesta hora ela gosta de repetir. Ela faz como que um ritual e eu tento desconstruir isso com respeito e cuidado.

Antes não era assim, ou pelo menos ela não expressava de forma tão clara o desagrado. Na medida que posso, explico a ela o que está acontecendo e peço a ela que lute contra isso, que permita a presença diferente, a rotina diferente. Se ela fica muito desorganizada eu cedo, e quando ela está calma depois de algumas horas ou no outro dia, toco no assunto com delicadeza, preparando-a para uma próxima vez.

Ansiedade e adolescência

Um dos maiores desafios que temos enfrentado é lidar com a ansiedade nesta fase da adolescência. Se aviso a ela sobre uma viagem, sobre hóspedes ou a escola avisa sobre um passeio, ela fica nervosa, fala sobre isso o tempo todo e se as vezes chora e fica brava. Se não aviso e deixo pra dizer na hora ela fica muito desestruturada e, mais de uma vez, lidei com uma crise de choro e tentativas de me segurar no meio da rua… Foi triste e percebi que não pode ser assim.

Esses ajustes são difíceis pois, se antes era certeza de sucesso a antecipação de rotina, hoje em dia é quase receita de crise de ansiedade. Por isto estou naquele momento de reencontrar o ponto de ajuste e entender a melhor hora de explicar um programa. Mas o bom do Autismo é que tudo melhora e eu já começo a ver menos intensidade nas crises dela e, aos poucos, ela começa a dar sinais de que vai se ajustar melhor às mudanças.

Não acredito que vamos resolver a questão, mas sei que vamos continuar tentando. Por ela a gente move o nosso mundo, a nossa fraqueza e começa de novo o quanto precisar. Acho que o nome disso é amor.

Bom vou ficando por aqui mais uma vez agradecendo sua companhia. Tenho tido sempre retornos fantásticos sobre a contribuição da nossa experiência de vida e espero de verdade que minha Milena seja também sua inspiração. Grande abraço a até ano que vem!

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Quero que você saiba que não tenho a pretensão de apontar nenhum caminho nem ensinar nada. Tudo o que está escrito aqui tem a minha versão pessoal, baseada na minha própria vivência e que tem funcionado para mim e para minha filha.

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