Comportamentos e fases desafiadoras – Parte 3


*Use fones de ouvido para escutar melhor o áudio.

Finalmente estamos de volta para publicar o texto da Parte 3 dessa novela que foi o título “Comportamentos e fases desafiadoras“, este longo texto dividido em três partes. Era para ter saído uma atrás da outra, e acabou se alongando muito por conta das nossas férias. Depois também recebemos aqui em Londres a minha mãe para ficar um mês com a gente e, evidentemente, eu não quis dividir meu tempo com a minha mãe com mais nada!

Esse texto é um complemento de outras duas partes:

Comportamentos e fases desafiadoras – Parte 1

Comportamentos e fases desafiadoras – Parte 2

O que considerar quando sua criança está apresentando comportamentos desafiadores:

Comportamento típico de uma criança que está se desenvolvendo e testando os limites

Sim, ao contrário dos mitos, autistas se desenvolvem, autistas agem como crianças típicas também.

Muitas vezes a criança está só testando mesmo. Ela quer ver se consegue impor sua vontade, afinal, ela vê à sua volta pessoas fazendo isso o tempo todo. Mas ainda não aprendeu como fazer, então ela vai testar suas próprias estratégias e, dependendo da resposta ou do resultado que obter, volta a repetir ou não.

Comportamento para chamar a atenção

A maioria dos adultos sequer imaginam como uma criança se empenha em obter atenção. Muitas vezes, a criança espera ser vista e não consegue, ela então vai buscar formas disso acontecer.

Infelizmente, a probabilidade de ter atenção cresce muito quando ela faz algo “errado”. É quando todo mundo para o que está fazendo mesmo que seja para chamar a atenção da criança, esse resultado vai motivar a repetição do comportamento.

Comportamento comunicando desconforto físico ou doença

Passamos por muitos desconfortos causados por questões relacionadas ao nosso organismo.

Quantas vezes uma dor de cabeça nos incomoda por dias? Ou uma lesão no joelho, uma dor nas costas, um desconforto abdominal, cólicas, dor de dente, de ouvido? As opções são inúmeras. Muitas crianças com Autismo não conseguem sequer identificar o que estão sentindo e outras tantas não são capazes de comunicar ou pedir ajuda.

Se o comportamento muda de repente e a criança começa do dia para a noite uma oposição a tudo ou apresenta crises, birras e irritação extrema ou mesmo manias obsessivas: considere levar ao médico ou investigar melhor. Leia, pesquise a respeito de PANS e PANDAS, converse sobre isso com o profissional.

Registre a frequência do comportamento e, se persistir, considere com seu médico uma medicação para dor para ver se o comportamento muda.

Faça exames para detecção de vermes e também de alergias; Veja se os hábitos alimentares não mudaram; Considere uma nova dieta com a orientação de um profissional, caso a dieta não seja saudável ou não traga o aporte nutricional adequado.

Comportamento de reação à mudança de rotina (controle)

O comportamento desafiador é uma reação, uma resposta na maioria das vezes. Pode estar relacionado à frustração de não ter nenhum controle sobre sua própria rotina, não conseguir escolher o que fazer e não gostar ou não se ajustar às atividades que foram programadas para a criança.

Exemplo: “Uma mãe nos relatou que após o filho perder a avó que tomava conta dele, começou a quebrar coisas na casa, quebrando uma vez o vidro da janela e cortando sua mão. Todos achavam que era devido à falta da avó e tentavam estratégias de conforto, histórias sociais sobre saudade e nada resolvia.

Com a anotação da frequência do comportamento notou-se que acontecia mais quando a mãe se atrasava para chegar em casa do trabalho ou quando eles tinham que sair de casa. A família se lembrou então que a avó ficava sempre lembrando ao jovem sobre quanto tempo faltava para a mãe chegar, explicava quando a mãe se atrasava que ela estava presa no trânsito, dizia quanto tempo levaria para ele ver a mãe e também marcava o tempo sempre que iam sair de casa.

Fizeram então uma rotina estruturada, contando a ele a programação do seu dia e criaram um cartão de atraso. Também ensinaram a ele olhar as horas e desta forma, a mãe avisaria quantos minutos ela iria atrasar ou em quantos minutos estariam prontos para sair.

O comportamento cessou.”

Comportamento para evitar uma situação ou escapar à uma demanda

Quando alguma coisa te desagrada, você aciona muitos mecanismos internos para lidar com a situação. Uma situação de bullying ou assédio pode até mesmo desencadear problemas de saúde muito sérios. Ninguém gosta de vivenciar o que traz desconforto emocional ou físico.

Muitas vezes, a criança que não consegue se expressar, irá encontrar formas de escapar de algo que não gosta. Mesmo que a situação seja algo comum como uma aula de matemática… Isso pode exigir muito da criança ou jovem e expor a sua “inabilidade” para aquela matéria trazendo muitos e importantes desconfortos.

Exemplo: “Uma aluna de nossa instituição, costumava chutar as pessoas e correr para o pátio. Sempre que fazia isso ia para a sala da direção. Com a ajuda de uma profissional foi identificado que ela fazia isso em um determinado horário em que o pátio em frente à sua sala de aula era usado por uma turma de crianças menores fazerem aulas de teatro e suas vozes e risadas tiravam totalmente a capacidade de se concentrar de nossa aluna, como isso não acontecia sempre, foi difícil identificar. Como chutar era efetivo (ela conseguia sair da sala), ela começou a fazer isso com mais frequência. Assim que deram a ela um sinal significando quero um tempo e abafadores de ruído para usar quando quisesse, o comportamento cessou.”

Comportamento com gatilhos ambientais

Uma criança pode estar exausta e ninguém se dar conta. Pode ser um final de ano ou um período grande sem férias. Atender a muitas horas de terapia pode ser exaustivo e mesmo uma aula pode durar mais do que a criança pode aguentar, pois manter o foco de atenção às vezes é extremamente desgastante.

Uma atividade física que pode exigir demais da criança ou jovem também gera comportamentos desafiadores. Às vezes, a criança precisa de suporte ou adequação para a atividade. Como um suporte para o lápis que está exigindo um ajuste motor fino que ela não tem; A cadeira que ela senta e a posição que fica; O esforço para a coordenação motora em determinadas atividades, tudo isso é desgastante e exaustivo.

Outras vezes a atividade vem com uma sequência muito grande de passos, a criança precisa ser capaz de entender cada etapa de uma atividade antes de ser capaz de executar.

Tentativas frustradas por uma tarefa ser difícil demais irão demandar demais da criança ou jovem e ao final de um período ela pode estar farta e como não sabe sequer identificar o que sente começa a se “comportar mal”.

Comportamentos de regulação sensorial ou devido à sobrecarga sensorial

Este é o mais comum e frequente tipo de motivador dos comportamentos desafiadores no Autismo. E não é muito fácil para os olhos não treinados identificar os problemas relacionados ao processamento sensorial. Além dos cinco sentidos temos outros dois muito importantes: o vestibular e o proprioceptivo. Regular toda a informação que chega dos sentidos exige muito do nosso sistema.

Faça um teste simples: coloque sua televisão em volume bem alto enquanto passa o noticiário e tente ler um manual de instruções ao mesmo tempo. Faça isso por pelo menos quinze minutos e veja como você se sente. Peça alguém para te fazer perguntas a respeito do que você leu.

Você precisou usar muitas funções cognitivas na tentativa de focar no que estava lendo e ao mesmo tempo regular a recepção dos estímulos auditivos e visuais vindo da TV. Muita gente não seria capaz de fazer isso. A maioria das pessoas vai chegar ao final da experiência irritada. A noção de tempo fica comprometida (os 15 minutos parecem uma hora), a memorização das instruções não acontece e muitas vezes até o batimento cardíaco é alterado.

Para a quase totalidade dos autistas situações assim acontecem todos os dias.

Por isso, eles buscam no comportamento que nós chamamos desafiador: formas de se acalmar ou expressar a grande frustração de ter seus sentidos sobrecarregados. Comportamentos surgidos da necessidade de estímulos sensoriais ou à fuga de estímulos sensoriais quase sempre parecem ser motivados para desafiar ou chamar a atenção.

Exemplo: “Um de nossos atendidos procurava abraçar todos os homens que encontrava quando saíamos para a rua. Começamos uma rotina de exercícios de compressão pois interpretamos este comportamento com busca de estímulo proprioceptivo (abraçar, comprimir) o comportamento não diminuiu a frequência. Foi quando um instrutor notou que o jovem também o cheirava no momento do abraço, fizemos então uma experiência, colocando lenços embebidos em desodorantes masculinos em potinhos plásticos e entregamos a ele. Ele passou a cheirar vez ou outra estes potinhos e o comportamento praticamente cessou.”

Comportamentos pautados pela dinâmica familiar

Quando uma criança vive em uma família que não tem uma estrutura de rotina, ela pode ser mais plausível de desenvolver comportamentos desafiadores. A criança também reage fortemente às dificuldades que existem no relacionamento das pessoas da casa. Muitas famílias que discutem constantemente, principalmente quando há gritos e agressões verbais, relatam uma piora no comportamento da criança ou jovem.

Evite discussões na frente das crianças, pois elas tendem a se sentir causadoras dos conflitos e carregam esse sentimento de culpa em silêncio. Quando os conflitos acontecerem, converse abertamente sobre o acontecido com sua criança. Ela irá entender melhor se você explicar.

Não se esqueça

Muitos comportamentos podem ser inicialmente motivados por algo, mas se o resultado agradou a partir daí a criança usa o mesmo comportamento para obter o que deseja. Seja isso atenção, comida, afago ou mesmo para escapar de algo que não quer fazer naquele momento.

Exemplo: “Uma criança estava com um dente nascendo e por isso colocava a mão na boca com frequência. Ela passou a gostar de manipular a saliva e a partir daí, se tornou uma mania esfregar saliva nos objetos e quanto mais a mãe insistia que parasse, mais ela parecia engajar na atividade. Começamos a intervir com uma dieta sensorial, colocamos à sua disposição slimes, massinha de modelar, levamos para brincar com espuma de barbear ou espuma durante o banho e a saliva foi aos poucos esquecida.”

Finalmente

  • Investigue a causa de todo comportamento que foge ao padrão natural daquela criança;
  • Trabalhe estratégias de apoio, não de castigo;
  • Ninguém aprende sem prontidão, cuidado com seu nível de exigência;
  • Mostre outras formas de comunicar raiva, desconforto ou pedir ajuda;
  • Dê possibilidades para a criança escolher. Você pode conduzir que ela faça o que você deseja dando as opções corretas. Se você quer que ela use a camiseta de manga curta apenas pergunte: a verde ou a azul?;
  • Deixe a criança expressar suas preferências. Ensine a ela, caso ela não saiba. Muitas vezes, você tem que ensinar a ela que ela está com fome, que ela gosta de balançar no parque. Traduza ela para ela mesma;
  • Aumente e melhore os canais de comunicação, use símbolos, imagens, aplicativos, se preciso for. Invista na comunicação;
  • Faça o perfil sensorial. Perceba se a criança busca ou evita estímulos, dê mais daquilo que ela busca e ajude com o que ela não suporta;
  • Diminua as frustrações. Crianças que são muito repreendidas e ouvem críticas o tempo todo, ficam frustradas e com baixa autoestima;
  • Torne-se cada vez mais confiável. Se a criança souber que você a compreende, ela não vai precisar te desafiar.
NÃOSIM
Não aconteceu nada diferente, a atitude surgiu “do nada”.Investigue o que o comportamento está comunicando.
Ele/a está me testando, vou mostrar quem manda aqui, preciso dar limites.Está nervoso(a) e não sabe como dizer. É hora de me acalmar, ignorar a provocação mas não ignorar a pessoa. Estou aqui para quando você se acalmar.
Vou dar o que ele/a quer logo e assim me livro do constrangimento.Vou mostrar com carinho e firmeza que não conseguimos o que queremos se não pedimos com calma.
Vou mostrar que ele/a que sou melhor, que eu sei mais e que me deve respeito e obediência.Vou ensinar com paciência e persistência a forma correta de comunicar e vou ignorar toda tentativa de disputa.
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rosilane
rosilane
4 anos atrás

MUITO BOM!

cecilia
cecilia
4 anos atrás

Oi Fausta, parabens pelo texto, me ajudou muito. Meu filho tem 11 anos e está iniciando essa fase de birras e desafios, obrigado por me dar uma luz nesta montanha russa que é nossa vida com o nossos anjos, bjss

Kátia
Kátia
4 anos atrás

Olá Fausta. Sou mãe de um lindo menino autista de 4 anos. Uma criança que recebe acompanhamento terapêutico a domicílio. Os progressos são visíveis mas como você entende novos desafios vão surgindo e tentamos lidar e tratar com ajuda dos profissionais. Mas seu texto me ajuda a ter uma visão mais ampla e clara e alguns dos exemplos eu estou vivenciando com meu filho. Obrigada pelo Blog.