Tempo de respirar
Estou em Londres, aproveitei uma oportunidade em vim matar a saudade desta cidade que conquistou meu coração. Fico apenas oito dias aqui mas o mais importante é que eu vim sem a Milena…
Bom, são mais de cinco anos sem dormir longe dela, então eu nem sei se o apego dela ou o meu é maior, mas tudo indica que é o meu. Quando disse a ela que eu viria, que aqui estaria frio, que eu iria passear pra ver quadros e museus (passeios chatos pra ela, claro) a sua “irmãe” viria para Porto Alegre ficar com ela e traria a minha neta (que ela simplesmente ama), ela escolheu ficar. Porém, quando foi chegando o dia ela me pedia para não ir, mostrava ansiedade e em alguns momentos se desorganizava um pouco.
Viajando sozinha
Eu, ao contrário, estava decidida e feliz em viajar sozinha, pois especialmente nestas férias ela me “sugou”completamente… Tivemos muitos contratempos em casa e ela estava tão grudada que nem ao banheiro ia sem que eu ficasse por perto. Mas quando cheguei aqui e vi que tudo me lembrava ela, relembrando cada lugar que ela gostava ou tudo o que ela diria se estivesse aqui comigo, juro não contive as lágrimas. Graças a Deus o sol nasceu e eu acordei melhor, saí de manhã sem nenhum compromisso nem roteiro turístico, eu sozinha, por minha conta andando no meu ritmo… Não precisei me preocupar com a hora de comer, nem escolher comida sem glúten, pude ir onde queria e ficar o tempo que fosse.
Me senti meio incompleta, como se tivesse faltando alguma coisa mas sabe, outro dia mesmo me dei conta de que no meio da manhã eu ainda estava de pijamas, estranho pois eu me lembrava de ter me trocado, percebi então que eu já tinha trocado a Milena, cuidado da Milena e que aquela memória era de tudo o que eu tinha acompanhado nos cuidados dela.
Neste dia me dei conta também de que meu guarda roupas precisava de atenção, meus sapatos, minha pele e meu cabelo, eu não tenho tido muito tempo pra mim… Tudo acaba girando em torno dela sabe? Ela não tem culpa nenhuma disso claro, eu que me deixei levar por um certo cansaço.
Hoje, eu aprendi que para tudo isso acontecer eu talvez tenha que suportar alguma dor… Preciso encarar a saudade ou a falta que minha filha faz, vencer a preocupação e a total insegurança de deixá-la com outras pessoas, vou ter que me esforçar para romper esta simbiose silenciosa que foi estabelecida pelo cuidado que a situação dela exige.
Máscara de oxigênio
Há muitos anos atrás escrevi que a gente precisa obedecer à recomendação do avião, primeiro colocar a máscara de oxigênio na gente e só depois na criança ao lado, pois do contrário desmaiamos antes de conseguir ajudar a criança e aí morrem tanto criança quanto adulto. Já vi outras pessoas usando exatamente este exemplo, porque é mesmo muito pertinente a comparação.
Quantos pais, mães e cuidadores de pessoas com Autismo que não tem quem as renda para este tempo pra si, tão essencial pra nos manter saudáveis… e manter-nos saudáveis, manter a relação a dois saudável requer este investimento em lazer…
É isso que estou fazendo agora, estou respirando com minha máscara aqui. Estou gostando muito, mesmo suportando a dor de estar longe desta pessoinha tão especial que enche minha vida de sentido.
Cada caso é um caso
Sei que este post é um material de mão cheia para aquela corrente teórica que pressupõe que o Autismo é uma relação adoecida entre mãe e filho, mas eu não vejo assim. Acho que naturalmente certos vínculos se estabelecem quando existe junto com o instinto protetor uma necessidade de proteger ainda mais a cria, mas não acho que isto seja a explicação para nada, é uma consequência, um curso natural que deve ser pensando de quando em vez… O que sei também que as mães irão me entender, quem vive a situação sabe que não se trata de reclamar nem mesmo se vitimizar, mas constatar que as coisas às vezes se tornam pesadas quando não há pausa pra descanso.
Mas cada caso é um caso, em cada história uma situação que exige mais da mãe, ou outras mães que exigem mais do mundo inteiro… toda a particularidade do Autismo é relatividade pela natureza humana, não precisa ser autista para ser dependente da mãe. Nem ser mãe de autista pra querer proteger o filho de toda a maldade do mundo e querer ficar perto e querer cuidar sempre.
Por hora fico por aqui, vou curtir este meu momento especial, me redescobrir e tomar fôlego… Semana que vem a vida volta ao normal, Milena volta pra escola e todo o ciclo é retomado, mas já deu pra ver que é possível ir mais longe…
Desejo muito que em cada lar de uma pessoa com Autismo, independente do grau de comprometimento, exista um tempo para o cuidador, uma máscara de oxigênio, uma pausa para viagem ou para o lazer e que todo familiar consiga não esquecer de si mesmo diante das enormes demandas que o Autismo traz para nossa vida.
Um forte e agradecido abraço!