Na estrada com Milena

duasouropretoAJá estamos em casa, mas ainda tomando fôlego da longa viagem que fizemos. Estivemos em uma verdadeira aventura, com Milena junto, viajando entre Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Na ida aproveitamos para conhecer lugares novos e rever outros que gostamos, na volta viemos de uma só vez e apenas paramos para dormir em Curitiba.

A Milena fez sua primeira viagem de carro relativamente longa (8 horas) quando tinha apenas 40 dias de vida e isso se repetiu ao longo da vida e talvez, por isso, ela não costuma nos dar trabalho no caminho.

Toda a programação precisa ser passada a ela, claro, sem muita antecedência e é preciso pelo menos um pouquinho de rotina planejada para que ela fique menos ansiosa, mas hoje em dia até mesmo diante do inesperado ela já consegue se organizar se mantenho no horizonte algo que a motiva. No caso desta viagem, toda vez que ela começava a se desorganizar eu focava na chegada a Uberlândia, nas pessoas que ela encontraria e no casamento da madrinha em Uberaba. Isso era o suficiente para acalmar e organizar nossa mocinha.

Ao todo, foram 07 cidades e ainda no casamento da madrinha, Milena foi daminha, embora nada no diminutivo se aplique a ela hoje em dia, mais justa dizer que ela foi uma dama de honra e foi um sucesso.

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Nos altos de uma montanha-russa

Em muitos momentos nesta viagem dava pra perguntar: cadê o Autismo? Não que Milena passe por uma criança típica, não se trata disso, não estou afirmando que ela se curou, que tudo passou, não é por aí…

casamentogvnaAApenas dá para questionar porque os problemas de comportamento não incomodaram em nada, ela deu muito menos trabalho do que uma criança típica na idade dela, e ainda nos deu de presente carinho, sensibilidade, compreensão do outro, tudo, tudo de bom e acho que tenho muitas testemunhas pra dizer que falo a verdade para além do olhar de mãe coruja.

Eu imagino que alguém que ainda vive o luto do diagnóstico estranhe um pouco minhas palavras, é mesmo meio estranho quando a gente está em um caminho, suando a camisa com as dificuldades e alguém nos diz que em algum ponto o caminho vai ficar mais fácil… parece que não ajuda em nada… Natural pensar, “ok, mas e no momento, o que eu faço? Pois tá difícil AQUI, AGORA!!!

Pois é, eu sou esta pessoa que já caminhou um bocado nos altos e baixos da estrada do Autismo e tenho muita vontade de contagiar todo mundo a enfrentar a jornada de peito aberto e com muita esperança, pois somos a prova viva de que vale a pena investir tudo o que temos, todas as nossas energias nesta busca do caminho mais plano.

Eu sei que não ajudo sendo apenas a profeta do amanhã melhor, mas não posso chegar até aqui sem olhar pra trás e ver o quanto eu mesma queria ter esta perspectiva de que um dia tudo seria mais fácil.

Fogos de artifício e limitações

Mesmo em momentos em que a realidade nos diz sem rodeios que o Autismo está aqui perambulando o tempo todo eu não perco de vista que tudo está melhor. No último dia do ano, após viajar por longas nove horas, chegamos exaustos em Uberlândia para virar o ano com a família, todos reunidos e o vizinho resolve soltar um fogo de artifício quase dentro do nosso muro, resultado: Milena que já se assusta com fogos, ficou em sofrimento visível e medo crescente. Ao perceber o quanto estava sendo difícil para ela, não tivemos dúvida, colocamos ela dentro do carro e com vidros fechados e Chiquititas em alto volume, abafamos o barulho dos fogos e ficamos rodando até ela dormir… Viramos o ano no carro enquanto todos festejavam e se abraçavam… E juro que a única coisa que eu pensava era que este é o menor dos preços que pago e pago sem reclamar quantas vezes for preciso.

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Claro que algum desavisado vai achar que eu devia forçar minha filha, ignorar ou não valorizar seu sofrimento, mas eu a conheço o suficiente pra saber o quanto ela consegue lidar com alguns desafios e querem saber? Não compensa obrigar ela a nada, ela não aprende dessa forma, trabalhar esta questão ou qualquer outra, é coisa para um momento que não seja o de crise. Chamo isso de conhecer e administrar os limites que o autismo impõe, mas não estou deixando por menos.

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Quem leu meu post de comemoração dos 11 anos da Milena, vai ter ideia do que estou contando. Tiveram momentos realmente muito assustadores nesta jornada e até hoje o autismo traz sofrimento e dor pra minha vida sim, porque muitos são os momentos em que Milena sofre e me busca com o olhar de tristeza procurando ajuda para suas decepções frente ao que ela ainda não consegue fazer.

Ela percebe suas limitações, me questiona e às vezes grita: “eu quero fazer certo, eu quero dar conta, eu quero fazer sozinha”! E diante da frustração dela, eu quero mudar o mundo, quero lutar com tudo, quero me fazer ela, me doar inteira e sei que não posso. Nestes momentos ainda é muito complicado, mas juro pra vocês, tenho encontrado crianças lindas por aí, crianças com qualidades incríveis, mas também tenho conhecido crianças tão assustadoramente fúteis e mimadas que preciso confessar que diante delas meu olhar procura minha filha e eu sorrio de paz ao perceber sua doçura e a beleza do seu caráter!

Me lembra muito um trecho de um filme que assisti, chamado Uma família especial. A mãe de seis filhos, quatro com Autismo (baseado em uma história real, pasmem) e em um momento de extrema angústia em que ela sofria com o preconceito da comunidade em que vivia ela desabafa dizendo que de todos ali, ela talvez seria a única pessoa que dormiria tranquila ao saber que nenhum filho seu seria um dia preso por cometer algum crime.

O diferente é lindo

Milena adora tudo relacionado à mecânica de carros e fica assistindo a vídeos no Youtube sobre troca de óleo, ontem o pai dela trouxe vídeos que ele fez da troca de óleo do carro dele, eu fui dormir cedo, indo para o clube com ela toda tarde, fico exausta. Ela, que só dorme comigo, se viu obrigada a dormir com o pai e com ele na cama disse: “Posso te contar um segredo?” E cochichou no ouvido dele: “Obrigada por gravar os vídeos para mim!”.

É disso que eu falo, esse diferencial que a faz a mais especial das menininhas.

Eu nunca vou saber o que o Autismo trouxe para a vida da Milena, o que Milena trouxe para o Autismo, às vezes eu odeio o Autismo, mas quando trago para a razão isso passa, pois eu penso que Deus mantém uma ordem que é universal. Isso significa que planetas imensos são sustentados por leis magníficas e mesmo quando pensamos que determinados fatos são caos e desordem, vemos tudo se ajeitar em uma lógica única.

Ora, mesmo que eu não veja o motivo pro detrás de tudo (particularmente eu sempre vejo, minha fé me permite), ainda que o desenho de toda esta trama não esteja aparecendo ainda, sei que o Autismo não tirou minha filha de mim, ele é uma grande dificuldade nas nossas vidas, mas é também um mantenedor da nossa forma única de viver a vida para além da superficialidade.

A massa que compõe o Autismo não é cimento, ela é flexível e quanto mais cedo a gente modela, mais consegue elasticidade. Tá certo que isso exige demais da gente, muito empenho mesmo, muita mudança de vida, mas pelo menos pra mim e para a minha família posso garantir, valeu a pena.

Chega né??? Texto longo o suficiente para o mês inteiro 🙂 Um super, hiper, mega abraço para meus visitantes que conseguem fôlego pra me ler e que me honram com a presença. Obrigada é a melhor palavra para vocês!

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