Dia Azul em Porto Alegre
Ah a compreensão!
Foi muito bom ver que o Brasil está finalmente acordado para a causa do Autismo. No dia 02 de Abril e durante a semana em todo o país, emissoras exibiram reportagens, jornais e revistas publicaram matérias, sites divulgaram informações. Tudo graças ao empenho dos pais que se uniram e foram às ruas vestindo azul.
Mais informação
Foi bom também ver o quanto melhorou a informação sobre a síndrome, quando eu vivi o pesadelo da busca do diagnóstico eu não consegui ler em lugar nenhum que cada criança desenvolve o autismo de um jeito diferente, que os sintomas variam conforme cada um. Isso faria tanta diferença naquela época! Eu ficava entrando em sites, pois os médicos diziam que era TID/TGD (Transtorno Invasivo ou Global do Desenvolvimento) e como já disse muitas vezes aqui, esse rótulo de um grupo maior de transtornos não me dizia nada. Eu não entendia que aqueles sintomas listados não eram “obrigatórios”, me apegava no fato de que ela imitava, apontava,* interagia e descartava dessa forma, o autismo e este estado de confusão me fez muito mal. Hoje qualquer texto vai dizer que a lista de sintomas é variável e que cada criança com Autismo é única, que bom que estamos mudando estes conceitos.
Afeto e abraços
Enquanto estava na rua, nos manifestos que organizamos aqui em Porto Alegre, recebi tantos abraços carinhosos de mães que estão como eu, com suas vidas marcadas para sempre pelo Autismo e conheci gente que acompanha o blog e me conhecia virtualmente, é tão bom sentir o carinho virtual, mas nada se compara a uma aproximação real de corações, unidos por um abraço fraterno de quem se compreende mutuamente.
No dia a dia os desafios continuam. Estamos sempre pressionados pela necessidade de estimular o desenvolvimento de nossos filhos com Autismo muito mais do que seria se eles fossem crianças típicas. Desta forma, temos que lidar com a escolha das estratégias e corremos o risco de assumir uma culpa sem sentido se sentimos que eles não respondendo bem às terapias.
Aprendizagem escolar
Eu estou aqui muito feliz com a minha linda filha. Carinhosa e sensível, mas com muitos desafios a superar, entre eles a aprendizagem escolar, como eu já adivinhava quando ela ainda era um bebê. Milena não tem interesse em aprender o conteúdo da escola nem em aprender a ler e olha que ela quer muito ser igual às colegas, tem contato e domina o computador e adora livros infantis. Mas na hora de identificar e juntar letras, na hora do esforço mental, a falta de atenção pesa muito e ela não quer se engajar.
Isso me deixa muito angustiada. Não tenho pressa, mas não vou me acomodar também. A terapia comportamental está fazendo muita falta e aqui em Porto Alegre, infelizmente, me sinto mais desamparada, pois em Uberlândia os profissionais que trabalhavam com a Milena, se não eram especialistas em autismo eram engajados de coração e eu sei que por aqui, para conseguir este engajamento precisaremos de tempo. O atendimento específico para o autismo, ainda deixa muito a desejar no Brasil, há uma defasagem muito grande no número de profissionais dispostos/experientes em relação ao número crescente de diagnósticos.
Medos e manias sem sentido
Quero contar para vocês um fato que me deixou bem impressionada. Milena me pediu para guardar um papelzinho amarelo (cupom fiscal) pois diz que tem medo dele. Fiquei pasma com esta novidade. Como assim, medo do cupom fiscal??? Tentei mas não consegui uma explicação e fiquei pensando: Se esta menina não falasse? Daria um piti, e eu ficaria sem imaginar o porquê da birra, já pensou? De onde vem estes medos absurdos? E o quanto ela se impressiona com coisas que nem percebemos? Foi um custo entendermos o tal bálaquinho (buraquinho), uma de suas manias mais fortes. É que ela adora cabelos e só hoje eu vejo os vídeos de quando ela era bebê e sorria para as pessoas (pensávamos que era um sorriso social, tão comum nos bebês, tão pobre em crianças com autismo) na verdade, ela sorria para os cabelos… quanto mais esvoaçante o cabelo mais sorrisos.
Pois bem, ela adora cabelos, fica empolgada quando pode tocar e às vezes, mete a mão na cabeleira de quem nem conheço… Quando a pessoa prende o cabelo ela quer que ela deixe um buraquinho. Não sei quem ensinou ou de onde vem, mas eu não entendia o que ela estava pedindo e um dia ela separou a borrachinha de um rabo de cavalo de alguém e apontou para mim dizendo, olha este é o buraquinho. Ela ama os tais buraquinhos, ama colocar os cabelos entre as mãos e dar um tapa (!) é um prazer tão grande, que fico com muita dó da minha filha e suas manias estranhas tão distantes da capacidade de compreensão de uma pessoa neurotípica.
O que o futuro nos reserva?
Esta perguntinha tão comum a todos nós, toma um tom de gravidade quando vejo estas manias, quando percebo que é chato conviver com estas esquisitices e que talvez eu seja a única pessoa que consegue mensurar a dor e a decepção da minha filha quando não consegue satisfazer estas vontades estranhas…
Tomara que a propaganda sobre o Autismo continue crescendo e mais que isto, tomara que as pessoas se tornem cada vez mais sensíveis e tolerantes e consigam ter a paz em si mesmas e se tornem mais propensas a entender, respeitar e até quem sabe satisfazer um pouco da necessidade da pessoa com quem convive. Acho que se colocar no lugar do outro é uma arte, penso que é a prática do amor ao próximo, ainda que a gente não entenda o gosto das pessoas, ou o que as motiva, que a gente consiga subir o nível da tolerância e do respeito às diferenças… Acho que tudo ficaria melhor, mas sei que isso não acontecerá do dia pra noite. Eu mesma tenho muito o que fazer internamente para realmente aceitar e respeitar de verdade as pessoas como são.
Beijos e beijos a todos!