12 anos,  Comportamento,  Férias

A menina que só ouve sim

Outro dia fiquei pensando na minha disponibilidade para Milena nestes dias de férias. Vamos a tal lugar mãe? – Sim, vem comigo na cozinha mãe? –Sim – Vamos almoçar no shopping mãe? –Sim… É que eu me fiz esta proposta. Ela não tem amiguinhas, não tem família por perto, somos só eu ela o dia todo, ela é doce, amiga, me pede as coisas e completa:  “desculpa que eu tô te incomodando mãe“, “obrigada mãe, você parou de ler para sair comigo” (uma fofa), então SIM eu digo sim o quanto eu posso e isso a fortalece muito, pois quando ouve um não, ela sabe que a razão para o não é forte.

É claro que vai ter um monte de gente dizendo que eu sou uma mãe sem noção, que eu não educo para a vida, que a vida é cheia de nãos e blá, blá, blá. Bom, se eu fosse mesmo dar valor às opiniões das pessoas eu não estaria mantendo o blog há nove anos (minha vida, minhas decisões aqui na vitrine). E por falar nisso, em fevereiro completamos nove anos ininterruptos de blog (yeah!). É claro que tudo o que as pessoas me dizem eu considero com o maior carinho, até porque a grande maioria dos emails e dos comentários são positivos! O que quero dizer apenas é que eu me guio pelo meu coração, do contrário eu enlouqueceria.

O problema nem é o não, mas o excesso de não.

Flexibilidade mental

Imagem Mundo da Mi
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Eu até concordo quando as pessoas argumentam que a gente tem que educar o autista igual qualquer outra criança e concordo que qualquer criança precisa aprender a lidar com o não, mas gente vocês não tem noção do quanto falamos não! Comecem a prestar atenção e vocês vão começar a perceber isso. Minha filha hoje suporta muito bem ouvir o não, pelo menos muito melhor que antes porque ela sabe que mesmo com o não vai dar tudo certo. Mas até chegar aqui… bom então deixa eu começar do começo.

Imagem Mundo da Mi
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Ao longo do tempo eu tive que desenvolver esta relação baseada no que pode, no positivo e isso começou com as crises lá no início da jornada no autismo. Quando era contrariada, Milena ficava muito agitada e se batia, batia a cabeça no chão, se mordia e nos batia, gritava e tudo o mais. Com o tempo, nos cursos, nos livros e principalmente conhecendo autistas adultos eu fui percebendo que isso era fruto da falta de flexibilidade mental. As funções cognitivas imaturas não davam margem a uma reorganização imediata da vontade como acontece com a gente. Eu então comecei a focar no positivo e ao invés de enfatizar o que não podia eu comecei a enfatizar o que podia e deu muito certo. Eu reparei ao longo destes anos que a criança com autismo não pode quase nada, ouve muito mais não que qualquer criança.

Redirecionando a atenção

Imagem Mundo da Mi
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Ouvindo repreensões, vendo ser negado tudo o que eles querem e gostam já que isso foge tanto ao padrão do que nós os típicos queremos e gostamos eles se fecham ou se tornam agressivos. Um dia um amigo autista adulto me disse, cada vez que eu quero alguma coisa eu quero muito, muito e muito e quando eu simplesmente recebo um não é como se descesse um muro na minha frente e eu não sei nem para onde ir, não sei o que fazer com aquela vontade toda… E foi depois de ouvir o Tiago, que realmente comecei a mudar com Mi, sempre que eu dizia que ela não podia algo, passava muito mais tempo dizendo o que ela podia fazer no lugar daquilo, direcionando a atenção para as outras possibilidades. E com o tempo ela mesma me procurava para que eu desse para ela as opções possíveis quando ela recebia os nãos do mundo.  Hoje ela consegue se reprogramar muito mais do que antes. De tudo o que eu fiz para as birras diminuírem isso foi sem dúvida nenhuma o grande diferencial.

Alternativas ao Não: Histórias Sociais
Alternativas ao Não: Histórias Sociais

Milena assiste muitos vídeos no YouTube e outro dia fiquei impressionada quando ouvi este vídeo abaixo em que a linda Flávia fala sobre esta educação positiva mostrando na prática como ela faz com a bebê dela… e ela nem está falando de autismo! Termina de ler e assiste ao vídeo, ela vai explicar essa “filosofia” e eu tenho certeza que vocês vão gostar.

Escolhas

Eu realmente estou disponível para a Milena nestas férias o mais que eu posso. Sempre estive mas agora de uma forma mais consciente eu deixo meu tempo para ela, paro o que estou fazendo para acompanhar, mudo o canal, ligo ou desligo a TV, respondo à pergunta sobre o Furby pela milésima vez, me levanto toda hora, brinco, faço o que for e a gente segue sendo feliz. No final das contas não é isso que importa?

E para quem vai dizer que a gente precisa pensar no futuro, preparar para o futuro eu tenho que lembrar que nenhum ser humano, autista ou não, é previsível. Você pode seguir a receita que for e o resultado pode te surpreender de qualquer forma.Encerrando por aqui não espero que concordem comigo, espero pelo menos que a gente reflita um pouco sobre a nossa forma particular de conduzir a educação de alguém que funciona de forma tão diferente da gente.

Para Milena que um dia há de ler este blog: Filha amada, a mamãe foi fazendo algumas escolhas nestes anos em que você está em minha vida e estas escolhas nos conduziram até aqui. As Mães nunca sabem com certeza se fazem as escolhas certas, mas eu sou muito grata pelo que conseguimos construir juntas, por nossa relação ser tão forte e tão linda. Obrigada minha filha por me ensinar tanto e por me permitir erros e acertos tanto quanto eu te permito também!

Deixo meu abraço carinhoso a cada um que conseguiu chegar até aqui me lendo. Meu muito obrigada por me “ouvir”.

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Quero que você saiba que não tenho a pretensão de apontar nenhum caminho nem ensinar nada. Tudo o que está escrito aqui tem a minha versão pessoal, baseada na minha própria vivência e que tem funcionado para mim e para minha filha.

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Rosa Antônia dos Anjos
Rosa Antônia dos Anjos
9 anos atrás

Sou sua fã minha querida Cristina, também compactuo com o seu texto.

Patricia Barbosa
Patricia Barbosa
9 anos atrás

Descobri o blog a pouco tempo e tem me ajudado muito com a minha florzinha! Minha filha Raíza tem sete anos e além do autismo tem outros diagnósticos de dificultam a comunicação da Rá! Obrigado pelos seus depoimentos! Tenho certeza que ajuda muitas mães como eu! Muitos beijos em VC e na Milena!!!! <3

Ana Paula Borges
Ana Paula Borges
9 anos atrás

Oi Cris! Como foi bom ficar sabendo que não sou só eu que digo tantos SINS, que paro o q estou fazendo para atender minha linda, tudo em prol da alegria e bem estar dela, eu ainda não consegui com que ela aceite bem o NÃO, mas alguns nãos ela já aceita. Fico muito feliz de ter conhecido seu blog, pois o conhecimento que nos passa é tamanho, e admiro muito a relação de vocês duas. Fiquem com Deus, e muita saúde para vcs duas. Bjs. Ana (mãe da Helen Borges Reis).

jacy
jacy
9 anos atrás

Cris, quanto mais acompanho a historia de voces mais te admiro como mae e como guerreira voce me representa muito me vejo muito daqui alguns anos c/ meu filho assim desse jeito tao lindo que nem consigo escrever essas linhas sem deixar as lagrimas cairem de emoçao é muito linda essa hgistoria de superaçao sua e da Milena… voces sao lindasss!!!!

Amenaide Xavier
Amenaide Xavier
9 anos atrás

Ficamos felizes em descobrir o seu blog. Somos maes do nosso encantador Francisco. Fazemos das nossas palavras as suas. Nosso mundo sem ele não seria tão perfeito. Abraços!

Ânara
Ânara
6 anos atrás

Olha só que legal! Descobri esse texto aqui no blog num momento em que meu molequinho de 5 anos está numa fase em que derruba a casa quando é contrariado!

Márcia Dias
Márcia Dias
6 anos atrás

Lendo esse post, me recordei de quantas vezes minha madrinha disse: não diga que ele não pode pegar o controle remoto da tv, diga: não é brinquedo do Bernardo e ofereça um brinquedo. E nessa época, nem existia a desconfiança do autismo. Sempre tento me lembrar disso e mesmo ele tendo 3 anos, eu tento explicar o motivo de não poder fazer algo e dou outra opção. Minha madrinha também sempre me disse, que mães não erram, pois filho não vem com receita e tudo que fazemos, sempre fazemos pq queremos o melhor para eles. Acho que aprendemos diariamente como… Leia mais »