Estimulação sempre
Levei a Milena para cortar a franja em um salão perto da minha casa. O cabeleireiro que já cortou o meu cabelo foi colocando a Milena para sentar e me perguntou de cara se ela é autista. Estranhando que ele tivesse identificado, me contou que tem alguns clientes com Autismo, todos meninos e em seguida, falou o que já é esperado e que todo pai e mãe de quem tem Autismo em um grau mais leve deve ouvir sempre: “não parece que ela tem Autismo, grau de Autismo dela deve ser muito pequeno, ela é praticamente normal”.
De fato, quando eu estou com Milena e não estou a fim de explicações, as pessoas olham para ela estranhando alguma coisa que não sabem o que é. Se eu não falo em Autismo às vezes alguém arrisca: ela tem um probleminha de fala? Todos acham que Autismo não é… são os mitos, fazer o quê?
Eu fico muito sem saber o que responder quando alguém fica me “consolando” ao saber que Milena tem Autismo, ou se ficam dizendo que “isso não é nada”. Não quero parecer dramática dizendo que é um transtorno grave (na medida que afeta a vida da pessoa e não tem cura), não posso deixar de usar a oportunidade e falar de Autismo para conscientizar um pouco mais e também expressar o quanto estamos sim, muito bem e que isso atualmente não é vivenciado por nossa família como um drama.
Estimulação precoce intensa
Quando me lembro da angústia dos primeiros anos, quando eu ia dormir achando que tudo aquilo ia passar, que era só uma fase. Os profissionais diziam o quanto ela tinha progredido e eu concluía por conta própria que se ela estava melhorando tanto, surpreendendo tanto era porque tudo estava superado… Essa fase foi um drama, passou.
Mas o que mais me deixa feliz é ver que realmente nossa doce Milena tem se virado muito bem e que sua marca fundamental é a felicidade e a afetividade. Hoje parece natural, mas modéstia à parte, fizemos direitinho a “lição de casa”. A estimulação precoce foi intensa, mas tive que reaprender a ensinar.
Sempre gostei de criança, trabalhei com criança a vida toda e até hoje sou fascinada por este período mágico da vida. Quando a Milena ia nas primeiras terapeutas eu ficava encantada com o jeito delas se dirigirem a ela. Nossa postura de : “olha pra mamãe nenê, cuti, cuti, coisa mais linda” – naquele manhês que todo mundo conhece – ficou ultrapassada quando vimos Angela, Maria Helena se dirigindo a um bebê com respeito, explicando o que iam fazer, conversando com ela ‘como se ela entendesse’. Para nós isso era muito novo, pois na minha casa criança não tinha muitos direitos não, era um tal de ‘’sai pra lá que isso não é conversa de criança!”
Oportunidades de estímulo
Desde então a estimulação acontece o tempo todo e é assim até hoje. Se damos banho falamos qual parte do corpo estamos lavando – ensinando partes do corpo. Quando enxugamos o corpo trabalhamos o sensorial falando sobre a textura da toalha, apontamos o tempo todo ensinando a compartilhar… Milena foi tão estimulada que é comum ela dizer: “- óla!” Pra tudo que ela vê, acha que é normal e acabou sendo mesmo muito constante estarmos todos no carro, todos estão ollhando para o mesmo assunto e eu ressalto: olha a praça, olha este céu, olha a cor deste carro.
Em uma simples caminhada eu vou apontando: “olha Milena o degrau”, “viu só que nome engraçado? Degrau”. Hoje em dia vou aproveitar e explorar que degrau começa com D, vou dizer para que ela tente falar: de-ga-rau (como ela não fala encontros consonantes – tr, gr, br, pr, bl, – a fono aconselhou acrescentar a letra A para que ela aprenda assim e com o tempo vamos suprimindo a vogal até ela falar o encontro corretamente).
Eu gosto de descrever situações para ela mostrando por exemplo, que o bebê está chorando e o que a mãe dele está fazendo para que ele não chore mais, se mostro um cachorro aproveito e falo que é um mamífero, mostro um pássaro e falo sobre aves, ninhos e ovos…
É claro que ela não parece prestar atenção, não me responde com perguntas que demonstrem que está interessada. Sempre me responde com algo nada a ver com o que estou mostrando e eu lido com a frustração de perguntar algo que já “ensinei” mil vezes e ela responder outra coisa beem diferente como se ela nunca tivesse ouvido falar naquilo.
Desenvolvimento atípico
Toda esta estimulação reforçada de forma estruturada pelos profissionais que a atenderam ao longo destes anos, fazem um efeito que não se mede com respostas prontas. Até porque a criança com Autismo ao responder uma pergunta, fala o que quer falar pois não lhe interessa provar nada pra ninguém nem dar a resposta que as pessoas desejam ouvir. Se a pergunta vem em um momento errado eles falam qualquer coisa e querem continuar o que estavam fazendo. A terapia geralmente, vai modelando estas respostas.
A verdade é que Milena sabe muito mais do que demonstra quando queremos e acaba nos mostrando que sabe quando menos esperamos. Como a vez em que muito pequenina cortou o queixo na piscina e a médica ao dar os ponto disse a ela pra contar até dez que já estava acabando. Ela nem sabia pronunciar os números direito e chorando contou até dez mais de uma vez deixando eu e pai dela surpresos. Depois do episódio era comum pedirmos que ela contasse (até hoje, quatro anos depois) e ela não conta direito, parece que não sabe.
Um longo processo
Os efeitos da estimulação que iniciamos quando ela tinha sete meses, se mostram quando vemos comentários como os do cabeleireiro, quando percebemos que ela aos poucos vai nos imitando e dando mais sentido às suas ações. Uma coisa é certa: ela está ligada em tudo. As pessoas se enganam ao pensar que as crianças especiais não estão entendendo o que se passa. Basta olhar o vídeo que postei outro dia sobre a garota com Autismo que aprendeu a falar usando o teclado. Milena demonstra que sabe e entende tudo o que acontece, mas não comunica o que vê nos padrões ditos normais.
Ontem rimos muito eu e a prôfe (aqui na cidade todos chamam a professora de prôf, não é tia nem professora, é prôfe). Cheguei na sala para buscar Milena e ela estava tirando da mochila o caderno em que a professora conta como foi o seu comportamento e colocava o tal caderno na bolsa da prôfe, tentando esconder o caderno e na hora eu já saquei o que estava acontecendo. A professora sorrindo confirmou que ela estava beeemm agitada e escreveu isso na agenda, por isso a daninha queria esconder o caderno da mamãe, pode isso?! Ligadíssima.
Interessante notar: Milena não tem medo de mim, não teme ser castigada mas ela odeia errar, ela morre de medo de que eu fique triste com algo que ela fez… Essa é uma característica bem forte da sua personalidade…
Bom, chega por hoje né? Um beijo grande a todos, obrigada pela visita 🙂
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