6 anos,  Desenvolvimento atípico

Medo

As reações da Milena perante o novo passam para a grande maioria das pessoas despercebidas. Mas ela tem muita resistência a tudo o que é novidade e descreve o que sente dizendo que está com medo. Ela percebe detalhes para nós imperceptíveis e reage quando qualquer coisa muda. Nem sempre a gente consegue entender, porque nem mesmo reparamos que algo está diferente. Na Milena esta reação é clara, porque eu estudo muito sobre Autismo, convivo com outras crianças e pais e posso atribuir as mudanças no seu humor, na sua postura no seu comportamento ao que de fato, acionou o gatilho e quase sempre são as mudanças.

Se ela vive uma situação nova como, por exemplo, chegar a um lugar que ela nunca foi antes. Em vez de como toda criança, explorar, perguntar, mexer, Milena fecha a mãozinha, fica rígida, anda bem devagar, fica quieta, calada e, (um novo comportamento) pergunta, pergunta e pergunta. Em algumas situações, principalmente se estamos sozinhas, ela me fala:”Tô com medo”.

Diferentes medos

Nós fizemos uma longa breve viagem – curta na permanência, longa na distância – e ela teve muito medo dos banheiros. De sexta-feira à noite até domingo à noite ela fez quatro xixis. Tive que forçar para que ela tomasse banho, para que ela escovasse os dentes. Teve que ser na marra, ela pedia para sair o tempo todo. Com as pessoas não é tanto assim, mas com aparelhos, máquinas, painéis, geralmente é um problema.

Ela suporta barulho, mas se for súbito, inesperado, ela se assusta e entra em pânico. Outro dia estouraram fogos no meio da manhã, quando ela estava entrando no carro. Pronto, não queria descer do carro em outro lugar e ficou com as mãos nos ouvido olhando para o céu e perguntando: “Não vai mais fazer ‘tu’ (barulho)?”.

Se compramos um carro novo, ou um brinquedo ou móvel novo, ela vai reagir e sempre com um susto, uma tensão. Me impressiona o quanto ela é afetada. Uma vez, compramos uma cadeirinha para o carro, e colocamos ela sentada logo de cara. Ela ficou meia hora em choque e não quis sentar na bendita cadeira por muito, muito tempo. Foi assim com a “Tacha”, o fantoche de pelúcia que ela queria tanto – que hoje adora. A gente até fica triste pois compra achando que ela vai amar e ela fica apavorada.

Tradução simultânea do mundo

Quando vejo uma pessoa com Autismo, seja o grau que for, vejo as mesmas reações, mas de formas diferentes. Tem alguns que reagem com hiperatividade, correm de um lado para o outro. Outros com estereotipias, se balançam, se batem. Outros, ainda, se desesperam gritando ou se isolam e, na maioria das vezes, as pessoas que estão em volta parecem não entender. Toda pessoa com Autismo precisava ter um tradutor de mundo, isso não iria curar a pessoa nem diminuir os sintomas, mas iria ajudar a diminuir a angústia que eles sentem.

Penso que deve ser mais ou menos assim: imagine que você está de pé em um brinquedo de parque de diversão e com os olhos vendados e caminhando, de repente o piso muda para inclinado, como você não estava vendo, no primeiro momento, você desequilibra, fica meio tonto até que percebe a inclinação e vai aos poucos se soltando, andando mais rápido até que, de novo o solo mude. Se tiver alguém te dizendo o piso vai mudar, ou cuidado que tem um degrau ou, o que aconteceu foi que o piso está tombado para a direita… isso vai fazer com que você entenda o que está acontecendo e vai diminuir a ansiedade natural para que você continue caminhando.

Me lembro de um autista relatando que gritava quando era um bebê e estava sendo levado no carrinho, porque ele não sabia para onde iria e nem se iria voltar, até que memorizou os caminhos e quando o pai um dia resolveu virar em outra rua ele gritou muito, até o pai desconfiar e retornar para o caminho de sempre.

Eu espero estar por perto e continuar dando as orientações para a Milena, percebendo quando ela está com medo e tranquilizando-a. Percebendo quando ela está nervosa e traduzindo o que ela está sentindo e sempre que possível explicando a causa, o porquê e, quem sabe um dia, ela consiga entender tudo sozinha e se torne mais independente.

Bom, é isso. Um grande abraço a todos, obrigada pela visita!

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Quero que você saiba que não tenho a pretensão de apontar nenhum caminho nem ensinar nada. Tudo o que está escrito aqui tem a minha versão pessoal, baseada na minha própria vivência e que tem funcionado para mim e para minha filha.

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