Milena e a toalha
Como será que uma simples toalha de mão pode se transformar no objeto de desejo e obsessão de uma criança de nove anos?
Eu queria entender, descobrir o mecanismo que faz despertar o interesse, esse desejo tão intenso, aí quem sabe eu conseguiria atuar na raiz do maior dos meus problemas atuais.
Fixação pela toalha
Milena simplesmente se transforma quando está assim com uma fixação por um objeto inusitado. Isso já vem de muitos anos, lembram quando ela se encantou pela escova de banho da Tia Dani?
A alegria dela quando recebeu a escova, ostentando a dita cuja como se fosse um troféu, mais feliz do que eu ganhando meu videogame (e olha que é uma marca difícil de superar).
Para que vocês tenham uma ideia, ela ficou o ano passado inteiro me pedindo para fazer balé na escola, no final do horário junto com as suas amigas do coração. Me pediu para ver a apresentação do fim de ano, ficou planejando este balé e esta semana consegui uma vaga para ela, ontem compramos a roupa, compramos uma bolsa, enfim, sonho realizado. Pois bem, ela invocou tanto com a tal toalha de mão que a colega emprestou, que não queria ir à aula para não ter que devolver.
Eu cheguei a negociar com ela, poderia ficar com a toalha mas teria que abrir mão da escola, do balé, devolveríamos as roupas e ela.. Topou! Com lágrima nos olhos ela me perguntava: não vou ver mais minhas amigas? Não, eu respondia. Tá bom e abria um sorriso, aí mamãe eu pego a toalha coloco na mesa e você me ensina tá? Eu fico só em casa, com a toalha.
Passava um tempo ela voltava, de novo as lágrimas escorrendo pelo rosto revelando a imensidão do conflito interno, e dizia: mãe, eu não vou mais na escola… e eu calmamente voltava a afirmar: vai sim, é só devolver a toalha e você vai para a escola, fica com os amigos, estuda, brinca, faz balé! – Eu tenho que devolver toalha? Não quero.
Quando eu vi que minha estratégia de “troca” não deu certo, parti pra ignorância. Você vai pra escola, a toalha não é sua, vai devolver e ponto. Coloquei todas as toalhas lindas dela, nada. Aí tive a ideia de fotografar a tal toalha e disse a ela que toda vez que ela sentisse saudade ela poderia ver a foto. Ainda assim ela sofreu bastante.
Imaginem se Milena não falasse?! Se ela fosse uma criança com Autismo, não verbal? Ela estaria agoniada e eu, totalmente perdida sem entender o que estava acontecendo.
Processos atípicos
Eu sei que as crianças com Autismo tem mecanismos diferenciados para processar informações, pequenos detalhes imperceptíveis para nós são especialmente atrativos para eles. De repente um tic tac de relógio traz para eles um sensação boa frente ao estímulo sensorial (como a calma que muitos sentem com um barulhinho suave da água corrente) e lá estão eles se encantando com um relógio.
Um objeto para alguém com Autismo não é só um objeto, é um mundo de sensações. A Milena com frequência cumprimenta meu cabelo e nem olha pra mim (!), quando o pai chega do trabalho ela corre empolgada gritando: “oi pasta, oi pasta, gosto muito de você” e passa pelo pai como se ele nem estivesse ali. Dá pra imaginar?!
Me lembro do Tiago, uma pessoa com Autismo que conheci há um tempo atrás, apesar de já ter 31 anos, me disse que quando tinha um aviãozinho de brinquedo na mão tinha que comprar, se não pudesse comprar ele tinha a sensação que o coração ia parar de bater!
A nossa postura diante destas fixações deve ser em primeiro lugar de respeito. Não temos que ceder, não temos que transformar a vida de nossos autistas em uma sucessão de manias estranhas, mas redirecionar é um trabalho gigante. Com todo o carinho do mundo, é preciso fazer um mapeamento neuronal junto com eles, diminuindo o bom estímulo que o objeto de fixação traz, por um outro estímulo mais “saudável”, mais adequado.
Lembrem-se: imposição não funciona para alguém com Autismo.
Inclusão
Mas vejam bem, embora não devamos querer moldar nossos autistas só porque pega mal socialmente algum hábito ou postura, precisamos pensar na aceitação social, sim. Se lhes dá enorme prazer, por exemplo, enfiar o dedo no nariz… Além da questão da higiene, esta mania vai ser um limitador para sua aceitação e acolhimento em um grupo de sua faixa etária… Ou qualquer grupo, neste caso. Então o melhor para eles é que façamos a extinção deste comportamento nos bons e velhos moldes das técnicas comportamentais.
Sempre que temos oportunidade de ouvir as pessoas com Autismo, elas nos contam que apesar do aparente gosto pelo isolamento, elas querem se incluir, sim, apenas não “sabem” o que fazer, ou não conseguem se adequar ao padrão.
Fácil? De jeito nenhum, é trabalho duro! No caso da Milena o mais difícil é ver o quanto ela sofre. Comparo que seria algo como eu querer muito viajar para um lugar de sonhos, não poder ir e de repente ver todas as pessoas que gosto indo para este lugar e eu ali, me despedindo de todos, desejando boa viagem morrendo de desejo de ir junto.
Se você que entende os porquês sofre, imagina então uma pessoa para quem o porquê não tem sentido nenhum.
Bom, eu vou seguir por aqui minimizando o valor desta toalhinha danada que ainda está dando o que falar aqui em casa. Com certeza cada fase da vida destes seres iluminados traz um desafio diferente e a gente tem que tomar fôlego e encarar cada um deles, sabendo que as respostas que procuramos nem sempre podem ser lidas nos livros ou ouvidas de alguém. Na grande parte das vezes, só nos tornando nós os especialistas de nossos filhos pra saber o que eles precisam que que a gente faça.
É isso! Beijos muitos a todos… beijos azuis da cor do Autismo 🙂