No dia a dia
Estranhando o sotaque
Fomos passear no Uruguai, com a intenção de fazer compras, a cidade (Chuí) estava lotada de brasileiros por conta da zona livre e eu que odeio uma “muvuca” e gosto menos ainda de comprar, acabei não tendo paciência e decidimos voltar mais cedo. Até mesmo um lugar para almoçar estava difícil, fomos então a uma lanchonete e a garçonete veio nos explicar o cardápio para escolhermos algo sem glúten pra nossa pequena. Enquanto ela falava, Milena ficou olhando um tempão e quando pôde perguntou:
– Ei, porque você tá falando assim? 🙂
Ela já tinha ouvido pessoas conversando em inglês, mas aquela língua que mistura palavras conhecidas com palavras estranhas num sotaque mais estranho ainda, chamou a sua atenção e foi muito engraçado ver a sua reação espontânea.
Olha o passarinho!
Já fiz um post sobre a dificuldade em fotografar Milena que não olha, nem faz pose, se pedimos para sorrir sai um sorriso muito forçado -> Meu marido tem uma técnica própria, ele foca e coloca a máquina no ponto de clicar e conversa com a Milena sobre algum assunto do seu interesse, quando ela olha ou sorri é só apertar o botão.
Outro dia ela pegou a máquina para tirar foto de nós dois e começou a fazer o mesmo… segurou a máquina e disse:
-Quem vai para o aeroporto? Quem vai viajar daqui há pouco?
Rimos muito, claro. Ela falando com a mesma entonação que usamos e com o seu vocabulário próprio (quem vai pôto?… quem vai ajá?…). Foi hilário.
Quando eu crescer
Como faço todos os dias, desde que nos mudamos, estava colocando o colchão da Milena no chão do meu quarto, arrumando tudo e reclamando… não sei porque tem quarto da Milena nesta casa… tem que dormir no quarto da mamãe, que coisa, blá,blá,blá… ela não precisa de quarto, nem usa o quarto…
Calmamente ela levanta os olhos da TV e me interrompe:
– Vou usar sim, mãe… Quando eu “quescê”.
OBS: como tenho uma memória péssima (sério não tenho nem 500 Mb), tenho anotado as coisas que quero contar aqui no blog e daí vi anotado apenas: ‘vou usar quando eu quescê’ e fiquei tentando lembrar do que se tratava pois isso aconteceu há mais de uma semana. Não me lembrei, resolvi então arriscar e perguntar: -Milena, o que foi que outro dia você me disse que ia usar quando crescer? A resposta veio na hora:
– Meu quarto mãe!
Sensação de queda no sono
Milena tem tido muita dificuldade para dormir, eu tenho que me deitar com ela e se tento acabar com este hábito ela consegue ficar até 2 horas da manhã remexendo na cama. Me deito então ao seu lado e coloco meu braço a sua volta pressionando de uma forma bem suave, às vezes fico de longe conversando ou tento não me deitar para que ela deixe este hábito, mas ela chega a ficar até 2h da manhã sem conseguir conciliar o sono. Por isso tenho dormido bem tarde, só vou para minha cama depois que ela dorme.
Tem sido comum ela perguntar feliz pela manhã: quem dormiu junto ela? (ainda usa muito a terceira pessoa para referir-se a si mesma) Eu respondo que dormi e ela quer saber quanto tempo e eu digo que fiquei muito tempo, ela sorri e complementa: você não deixa ela cair?
Interessante essa colocação da Milena, pois é possível que esta sensação de que está caindo quando começa a dormir seja comum naquelas crianças com dificuldade para dormir. É muito ruim ver que ela está com sono e fica se virando de um lado para o outro sem conseguir dormir.
Outra dificuldade relacionada ao processamento sensorial – a grande maioria das pessoas com autismo tem problemas de Integração Sensorial, vale a pena pesquisar – tem sido o cabelo na boca, isso é preocupante pois, se ingerir muitos fios eles podem formar um bolo no estômago que em alguns casos precisa de intervenção cirúrgica. Por isso como não consegui corrigir o hábito de estar sempre com alguma coisa na boca, estou entregando um daqueles palitinhos que a pediatra entrega após verificar a garganta. Ela fica o tempo todo em que está na frente da TV com o palito na boca.
Quando está muito eufórica, fazemos um sanduíche de Milena com almofadas… Ela resiste no começo, mas vamos deixando que ela nos comande dizendo: chega, quero mais, mais forte, é a nossa versão da “máquina do abraço” criada por Temple Grandin.
Você é minha mãe?
É comum que pessoas com autismo, se refiram a suas mães pelo nome. Não é uma regra, claro, mas é uma característica que me chama a atenção. Milena me chama de amor, me chama de Fá (como minhas irmãs) me chama de Cris (como meus amigos) e quando era menor, a gente ria muito pois ela me chamava de “quêxinha, caxinha” tentando dizer Cristina.
Todos a corrigem, pedindo para falar mamãe, mas é interessante a dificuldade em entender determinados padrões. Ela me pergunta com muita frequência:
– Você é mãe dela? Ou: – Você é minha mãe? Demonstra tanta estranheza nessa hora, que fico chocada toda vez que ela pergunta.Às vezes quando respondo que sim, que a adoro e que ela é minha filha querida… ela complementa com um entonação de espanto: – nossa!
Isso só vem confirmar que no Autismo tudo é percebido de uma forma muito diferente. Por isso precisamos relativizar os comportamentos diferentes e mesmo cobrando que eles se enquadrem, para que tenham mais aceitação social, precisamos sobretudo, compreender que o autismo é além de tudo um jeito muito diferente de ver as coisas.
Beijim procês, cheim de carinho 🙂