Milena no dentista

As questões da integração sensorial sempre estiveram em evidência no desenvolvimento da minha filha. Na fisioterapia, que foi a primeira intervenção que buscamos, foi sempre enfatizado o trabalho sensorial, desta forma trabalhamos a propriocepção, o equilíbrio, o tato e até o paladar. Em casa, eu fiz um trabalho com sons para minimizar os efeitos dos hipersensibilidade auditiva, e ainda assim ela é avessa ao contato físico, principalmente de quem ela não conhece a não ser que a iniciativa do abraço parta dela. De outra forma, ela vai demonstrar que não quer ser abraçada, não aceita consolo quando se machuca (que difícil é para mim!), tem dificuldade em deixar cortar unha, cabelo e o dentista então sempre foi um problema.

A primeira vez no dentista

A primeira vez que Milena foi ao dentista era um bebê de um ano e meio e mordeu tão forte o dedo da nossa amiga que cortou. A partir daí sempre a levei nas minhas sessões para assistir e se ambientar, tentamos um trabalho com uma dentista que tem um filho especial e trabalha com este público, mas ela traumatizou mais a Milena ao agarrá-la à força.

Em 2009 e ano passado, aproveitamos que a fono tinha uma sala junto com uma odontopediatra que tem dois sobrinhos com autismo e levamos a Milena que fez um acompanhamento longo com muitas e muitas sessões de ambientação, mas mesmo após estabelecer vínculo com a “tia Lisia” ela não permitia que se encostasse nela, apenas a deixava escovar seus dentes e olha lá… até que suspeitamos de uma cárie há uns dois meses atrás.

Eu queria dar um calmante a ela e levar em uma dentista conhecida, mas nossa querida pediatra nos alertou para o risco dela ficar “grogue” e aspirar saliva, ou algum outro acidente acontecer neste momento. Se tivesse que sedar tinha que ser pra valer.

Eu sinceramente já estava mesmo procurando alguém que fizesse o procedimento em centro cirúrgico com anestesia geral, pois conheço a minha filha o suficiente para afirmar que ela não iria deixar mexer em sua boca em hipótese alguma. Foi assim que chegamos até a Dra. Simone, que faz procedimentos com anestesia geral. Ela deu uma olhada e me disse que não era uma cárie, mas uma má formação do dente permanente que precisava ser selada, pois é um ponto muito propício para se desenvolver uma cárie. Para mim foi um alívio, meus filhos já adultos não tem cáries e com a Mi eu tenho uma luta diária desde sempre para dar conta da sua higiene bucal.

Pois bem, a dentista me tirou da cabeça a ideia da anestesia geral que só é feita em autistas de grau mais severo e que tem muitas coisas a serem feitas na boca. Mas ela me mostrou o que é o valor da experiência aliada à competência. Me perguntou se havia problemas em forçar um pouco as coisas, segurar a Milena e mesmo que ela gritasse, ela faria o procedimento bem rapidamente e depois se encarregaria de conquistá-la de novo. Eu topei na hora, pois eu tive que forçar a Milena aos berros na primeira vez que ela foi na cama elástica, no escorregador, na piscina de bolinhas… ela queria muito e eu sabia que ela queria mas o medo a impedia, então eu forçava (as pessoas em volta me fuzilavam com o olhar) e depois ela superava o medo e passava a curtir o brinquedo.

Esta semana ela foi ao consultório pela segunda vez, na primeira já tinha sido ótimo, em casa eu fiz várias sessões de “dentista” com ela (vou postar o vídeo), levei o separador de dentes pra casa e colocava em sua boca todos os dias para escovar e passar fio dental (para que ela se acostumasse com o separador) expliquei um milhão de vezes o que ia acontecer, mostrei vídeos de crianças no dentista, mostrei fotos, vídeos dela na outra dentista, vídeo dela na primeira consulta e falei, falei, falei.

Chegando lá ela deitou na cadeira, abriu a boca e deixou colocar o separador e foi só, quando a dentista foi chegando ela queria levantar e enrolar (quero colocar luva, quero ver de novo soprar o ar… se deixar fica nisso a manhã toda) aí eu a segurei com força, mas a secretária teve que ajudar e foi um “Deus nos Acuda”, ela gritou muito, muito e quem visse com certeza nos denunciaria por tortura. Eu gritava também o tempo todo: te amo filha, ninguém vai te machucar, não vai doer, já está acabando e a dentista junto elogiando, dizendo tudo o que estava fazendo, mostrando tudo o que usava e Milena gritava puxava o cabelo da coitada da secretária, olha… fácil não foi não. Eu chorava, ela chorava, ôh drama!

Assim que terminou – e não demorou nem quinze minutos – soltamos ela e ela ficou muito feliz. Perguntava se tinha tirado os bichinhos, se tinha passado o esmalte, perguntava se ela tinha ficado linda e quando olhava para a secretária e lembrava que tinha puxado o cabelo da coitada olhava pro outro lado e falava: -”vamos mudar de assunto?”

Quem já teve cachorro ou gato, sabe o quanto é difícil enfiar o bicho debaixo d’água para tomar banho e depois do banho, já viram o quanto eles ficam felizes? Foi mais ou menos assim.

Admiração

Eu admiro muito o trabalho da odontóloga Adriana Gledy Zink. Se eu morasse em São Paulo e ela fizesse um trabalho muito longo com a Milena, talvez desse certo e não precisaríamos viver esta experiência. Acontece que não tínhamos tempo, o procedimento exigia pressa e entre um centro cirúrgico e quinze minutos de contenção e gritos eu optei em segurar a minha filha.

Estou relatando aqui, pois penso que meus relatos podem ajudar algumas pessoas que passam por situações semelhantes. Não entregaria minha filha para qualquer dentista fazer um procedimento assim à força. Esta profissional foi doce, calma, carinhosa, que sabia o que estava fazendo e só fez o que eu consenti e aprovei. Cada pessoa com autismo é única e cada um reage de um jeito diferente às situações. Minha doce Milena precisa às vezes de um pouco mais de assertividade para vencer algumas barreiras.

A partir de agora, a mesma dentista irá fazer um trabalho preventivo, ela faz questão de que Milena tenha várias sessões mais tranquilas e lúdicas para que não associe o consultório a este último episódio.

Dia das Mães na escola

?A comemoração do Dia das Mães na escola foi muito simples e gostosa, uma caminhada da escola até uma praça que fica a uns 800 metros mais ou menos e na praça foi lida uma mensagem no carro de som, soltaram foguetes e convidaram as mães para brincarem com seus filhos no parque.

Milena ficou transtornada e teve uma crise quando chegou em casa. A sorte, foi que seu pai, já conhecendo suas reações, antes mesmo da crise começar notou que algo estava errado, pois ela resistia em ir embora. Ao comentar com uma professora que parecia que Milena estava esperando que mais alguma coisa acontecesse veio a explicação. “Tínhamos uma programação extra para o caso de chuva no dia do evento, levaríamos as mães ao auditório, passaríamos um vídeo”, etc.

Dito e feito, Milena ficou esperando que voltássemos para a escola para que tudo isso acontecesse e ao chegar em casa, gritou, bateu, chorou e nada conseguia fazê-la entender que a festa das mães tinha acontecido. Foi preciso muita paciência de nossa parte e claro, homeopatia SOS para estes momentos, que diga-se de passagem, é um santo remédio.

Viram quanta coisa? Desculpem os longos relatos, mas como disse antes, a esperança é que de alguma forma eu possa contribuir som minha experiência, afinal tem muita criança com autismo que não fala. Por isso vou deixar este vídeo emocionante onde uma autista ganha voz ao aprender a usar o computador para revelar o que sente e como vê o mundo.

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