Minha filha, o Autismo e a quarentena
*Use fones de ouvido para escutar melhor o áudio.
Eu não sei quanto a você, mas três semanas em casa por conta do confinamento, me deixaram saturada de ouvir ou ler sobre o Corona Vírus. Ainda assim, preciso deixar registrado aqui no blog esse período surreal da nossa história. Como não ser impactada por esse clima de tensão e esse silêncio pesado que paira no ar de uma metrópole como Londres com ruas e lugares turísticos sempre lotados, hoje esvaziadas pelo medo e pela precaução.
Também não tem como não relacionar isso com o Autismo. Tenho lido muitas e muitas pessoas autistas dizendo que agora saberemos um pouco mais sobre como eles se sentem diante da imprevisibilidade e do caos que muitas vezes nós criamos com nosso padrão de comportamento nada lógico, com nossas incoerências e hipocrisias.
Essa falta de entendimento da situação que vivemos, a não clareza das informações, trazem a inquietação que todos estamos sentindo e que os autistas sentem quando imersos nesse mundo confuso que algumas pessoas insistem em chamar de normal.
Quando o confinamento vai acabar? Quem será atingido? Como manter a rotina dos que precisam trabalhar e dos que passaram a trabalhar de casa? E a crise econômica, o emprego, o dinheiro… Para cada um de nós o impacto será diferente, mas o desconforto nos uniu no mesmo patamar e a sensação que toda essa incerteza trouxe, nos nivelou ao que cada autista que consegue, nos conta que vivencia diariamente.
Pois por aqui eu não só avaliei esta experiência com mais empatia por quem está no espectro do Autismo como tenho experimentado momentos intensos de auto cobrança e culpa, orgulho do que conseguimos conquistar, mas também a constatação de pontos, muitos pontos a melhorar como mãe e como pessoa. E para que isso viesse à tona foi preciso um vírus que parasse o mundo todo. Sim, preciso entender que não estava sobrando tempo para me enxergar e ainda assim cega de mim mesma seguia tentando guiar minha filha. Quanta pretensão!
Encarando o que nos desafia
Sabe aquela velha máxima de que nada é tão ruim que não possa piorar? Pois é… nunca se aplicou tão bem a tudo que temos vivido na última semana por aqui. Afinal nós temos nada mais nada menos do que a conjunção de Autismo, adolescência, ansiedade por uma mudança de escola e agora uma quarentena que impediu nossa mocinha de frequentar a escola que ela ama neste período final. Esta transição seria muito importante para que ela se despedisse de todos e encerrasse esta fase de forma branda.
Aliado a isso tudo o isolamento social chegou impondo uma rotina completamente nova, deixando ela presa em casa só com a mãe e o pai.
Diante disso tudo eu não só tenho me reinventado como mãe, eu também tenho aprendido a ver minha filha com um olhar totalmente diferente. Parece que tudo ficou mais exposto, mais claro. As dificuldades, as estereotipias, mas também a doçura, a alegria, o esforço que ela faz constantemente para se ajustar a padrões que eu tento desconstruir sem sucesso. Ela quer ser como uma garota da idade dela, ela busca se ajustar, mas diante da impossibilidade só enxerga o desajuste e minuto a minuto ela segue buscando se enquadrar, até mesmo no grupo de autistas que ela e as colegas, todas com Autismo, criaram no WhatsApp. Até mesmo entre as pessoas que também estão no espectro, ela tenta se enquadrar, às vezes sem sucesso e a frustração se transforma em comportamento alterado. Lembra porquê? Comportamento no Autismo é comunicação e a agitação aqui comunica que toda essa tensão é captada e que ela não sabe como expressar em palavras o que sente. Ainda bem que ao longo dos anos aprendi tanto a ler minha filha.
Pois bem, de tudo o que o Autismo transtorna o mais difícil para mim é quando ele torna difícil e infeliz a vida de quem o carrega como marca. E tudo o que eu mais lutei até aqui foi para ver a minha filha feliz, mostrando a ela o quanto ela é linda sendo quem é, o quanto ninguém visto de perto é normal e que tudo bem ser diferente. Nada disso diminui a frustração e a busca exagerada dela mesma para caber no padrão.
Por enquanto só me resta ajustar a mim mesma, se eu não me mantiver centrada como posso dar modelos a ela? Sigo nesta busca e também torcendo para que a razão das desorganizações frequentes que ela tem tido, seja apenas esta fase que chamamos adolescência, que passe logo, que ela possa se curtir mais e possa se aceitar como única e bela e com isso, ser mais feliz.
Como viver a quarentena no Autismo? Sem ilusões e sem receitas
Se a gente busca na internet: ‘autismo e quarentena’, vamos ver fotos lindas e aquelas listas das ‘dez coisas que você deve ou não deve fazer’. Mas, convenhamos, padrões e receitas funcionam muito pouco para esse espectro imenso de diferenças que o rótulo autismo comporta.
Por isso se você for como eu, vai ver as imagens de todo mundo feliz ensinando os filhos e vai se sentir uma péssima mãe, pai ou cuidador. Na verdade, o que a gente vive é um monte de bons momentos com muita luta no meio, a não ser que a pessoa com Autismo que você cuida seja daquelas que se isolam no seu próprio mundo (virtual ou não) e você seja o tipo de pessoa que fica feliz com isso.
Complicado, não é? Mas pelo menos por aqui, se eu quiser momentos de interação e aprendizagem eu tenho que me envolver intensamente para conseguir e não vai rolar sem briga e reclamação. Eu não posso, porém, simplesmente deixar minha filha entregue aos equipamentos eletrônicos e seguir perdendo um tempo precioso de aprendizagem, pois corro o risco das crises voltarem além do que, eu não fico bem comigo mesma.
É claro que a gente pode seguir um roteiro personalizado de coisas que sirvam para nortear nossa ação e melhorar esta convivência mais intensa nestes dias de confinamento, aqui por exemplo eu pensei em alguns pontos:
A rotina
É visível a tensão da Milena por não saber o que fazer com todas estas horas em casa, então essa velha aliada que já apareceu em muitos outros posts, voltou com força. A rotina com suporte visual (poderia ser simplesmente uma lista de tarefas escritas num papel). Para que a Milena saiba o que esperar do seu dia, fazemos a lista de coisas a fazer e só isso reduz muito a ansiedade que é de longe nossa maior inimiga por aqui. Por isso a primeira coisa que fazemos pela manhã – até a pedido dela mesma – é fazer essa lista.
Sobre ser espelho
Nos primeiros dias do confinamento, vendo o número de casos aumentando tanto na Europa, junto com uma postura do governo daqui que me deixava preocupada, fiquei angustiada e com muito medo. Não deu outra, Milena começou de novo a falar sobre morte, perguntar um milhão de vezes sobre isso e chorar inconsolável sem motivo aparente.
Eu percebi que ela estava se regulando emocionalmente comigo. Busquei meu centro, me ancorei na fé, me afastei do excesso de informação e conversei com ela sobre tudo o que estava acontecendo. Expliquei todos os porquês: do confinamento, da escola suspensa e o motivo de se lavar as mãos, além disso, procurei me mostrar mais alegre e prometi que ela poderia perguntar o que quisesse que eu iria responder. Logo, ela parou de perguntar, o assunto morte foi esquecido e o choro cessou.
Atenção é alimento
Os primeiros dias de quarentena me pegaram com uma disposição para cozinhar, deixar a casa em ordem, organizar a rotina, me afundar na internet lendo sobre o vírus ou trocando mensagens com alguém. Com a Milena desorganizando-se em muitos momentos pude perceber o que eu já falei tanto por aqui. Ela precisa da minha atenção. Pequenos intervalos no que estou fazendo e me sentar ao lado dela, mesmo que seja só para eu ficar falando sem que ela nem preste atenção, vai fazer uma diferença enorme. Aqui, se ela fica esquecida, vai achar um jeito de expressar essa carência de forma indevida. Separar tempo pra ela, é infalível. Me salva de muitas horas de desgosto.
Movimento
Tem sido a nossa prática desde que mudamos para Londres, as caminhadas longas em família. Como o governo recomenda sair para caminhadas perto de casa, ainda saímos para andar, porém um trajeto bem reduzido. Talvez por isso nos primeiros dias Milena estava dormindo muito mal, falamos para ela que era por falta de exercício e agora quando não sai para caminhar, ela faz aulas de yoga pelo Youtube ou então sobe e desce os quatro andares de escada algumas vezes. Ela tem essa vantagem, quando se convence de algo é disciplinada.
Nem sempre é fácil trazer uma criança ou jovem com Autismo para a atividade física, principalmente se os adultos da casa não curtem muito. Mas além de todo o estímulo motor, a atividade física predispõe para a aprendizagem de outros conteúdos, ajuda os hiperativos a gastarem um pouco de sua inesgotável energia e traz muito mais organização para aqueles momentos de maior agitação. Colocar este item na rotina faz a diferença, como muitos autistas, ela gosta de estrutura e irá cumprir o que está na lista sem grande dificuldade.
Tarefas de casa, uma grande terapia
Eu tenho usado muito este recurso de trazer a Milena para a cozinha ou para ajudar nas tarefas da casa. Eu só não tinha realmente me dado conta do quanto é completa a lista de vantagens em transformar nossos queridos em nossos ajudantes.
Dobrar roupas, fazer a cama, guardar a louça, descascar, picar, organizar as compras, traz para nós a possibilidade de estimulação motora, seleção, classificação, agrupamento. Podemos contar, somar ou subtrair e a mais importante de toda e qualquer habilidade: a competência.
Se sentir capaz de ajudar, de ser útil é sem sombra de dúvidas fundamental para qualquer ser humano.
Quando ela está com preguiça vou no velho padrão comportamental: se ela me der um não como resposta, mais tarde terá um não quando me pedir algo. É o suficiente para convencer ela a me ajudar, além do que eu não forço demais. São sempre alguns minutinhos que eu exijo e nada mais que isso.
De resto seguimos administrando o nosso estresse e o dela, nada fácil claro, mas o que temos conversado muito é sobre o quanto somos agraciados pelo fato de estarmos juntos, abrigados e com saúde. Esse espírito de gratidão nós cultivamos com orações diárias em família e ela com certeza vai absorvendo algo desta paz que vem da fé e aos poucos lidamos melhor com aqueles momentos em que tudo não é tão fácil.
Seguimos esperando o dia que a pandemia passe e torcendo para que em breve todos nós estejamos bem melhores do que sempre fomos e possamos virar a página ‘corona’ da nossa história.
Olá Mundo da Mi.
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Muito lega, esclarecedora e informativa – uma espécie de (serviço de utilidade pública) suas experiências – pois ajudam as pessoas a entenderem melhor o autismo ou reconhecerem alguém com autismo na família. Eu fiz comentário mas não está indo… vou encaminhar seu blog para uma colega de trabalho. Elu dizia, no post anterior, que o irmão dela tem nove anos e está muito agressivo, atualmente. Isso têm sido motivo de muita preocupação à família. Agora, que ela está achando que o irmão é autista. Ele não fala, frequenta a APAE e a fono, desde cedo, aqui no RS. Obrigada. Eu… Leia mais »