Preparando terreno para conquistas
*Use fones de ouvido para escutar o áudio melhor.
Cada pequeno sinal de independência e iniciativa é maravilhoso e eu comemoro sempre. Às vezes secretamente, como aconteceu agora há pouco.
Fui na geladeira, peguei a vasilha com meu queijo branco e vi que um bom pedaço tinha sido secretamente arrancado. Jamais imaginei que um dia poderia comemorar uma coisa dessas. Mas acreditem, meu coração entrou no modo festa ao constatar que alguém anda fazendo “arte” escondidinha e sendo assim tão sapeca…
Essa fase de independência, de fazer coisas escondidas, fechar a porta do quarto, comer sem precisar da minha ajuda, tomar banho e se arrumar sem a minha interferência e mais uma série de conquistas, se consolidaram depois da nossa vinda para cá.
Dúvidas e esperanças
A coisa que eu mais ouvia quando Milena ainda bebê era a incerteza que o futuro guardava. Uma boa dose de medo era diariamente enfrentada (mesmo que eu negasse ou controlasse). O que eu mais temia era justamente o nível de autonomia e independência que ela seria capaz de conquistar.
Preciso confessar que eu realmente duvidei em muitos momentos de um futuro com esse nível atual de autonomia, diante de tanta dificuldade de aprendizagem; Da alfabetização que não acontecia a despeito dos inúmeros métodos e profissionais competentes que buscamos; O sério déficit motor; Apraxia da fala e mais a grande dificuldade em planejamento.
Acho que duvidei porque eu sou gente, sou humana demais para superar os prognósticos ruins que me eram apresentados. Ninguém afirmava nada, eram apenas esperanças e possibilidades e é claro que isso me angustiava demais.
Por isso, hoje, ver um pedacinho de queijo roubado por uma menininha que sabe que está fazendo algo “não permitido”, mas que também está descobrindo um mundo de possibilidades, por si só é fabuloso! Pois acredite, tivemos que ensinar a ela o que é estar com fome. Após longos períodos sem comer ela estava de mau humor. E quando comia víamos pela quantidade e voracidade que o problema era fome. Também tivemos que ensinar a identificar que estava com frio e comunicar para que a solução da blusa de frio fosse buscada. Sim, caminhamos muito para chegar até aqui.
Autonomia na dieta
Voltando ao queijo, eu também deixei por conta da Milena a responsabilidade da sua dieta e eu não fico vigiando. Ela sabe que permito o queijo vez ou outra. Mesmo que ela não tome leite ou derivados desde os quatro anos quando entrou na dieta SGSC.
Antes a gente conseguia ver pelo comportamento dela quando ela comia algo “proibido”. Ela ficava mais hiperativa, agitada, pulava até suar, demorava a dormir, e houve um tempo em que a birra era certa. Nessas horas eu aproveitava e explicava para ela que aquilo tudo estava acontecendo porque ela tinha comido tal coisa… Não foi preciso muito e ela mesma começou a perguntar para as pessoas: “Tem glúten, tem leite?” E se a resposta for sim, ela não come. E o melhor, não sofre com isso. Além de estar acostumada ela não se sente única, pois eu não como carne e atualmente também estou na mesma dieta.
Independência que chega com o esforço
Além do cuidado com a dieta, ela também se cuida muito bem. Chega da escola lindamente adolescente, chuta os sapatos (vê se isso é coisa para uma mãe se orgulhar?), joga a mochila na cama e corre para a cozinha. Eu não preparo mais o lanche dela… Ela mesma escolhe o que vai comer e começa a detonar o que vê pela frente. Tem dias que não quer nada, mas na maioria das vezes ela come compulsoriamente por quase uma hora. Depois vem a hora da briga pra não tomar banho… Que delícia é viver esses momentos!!! A maluca da mãe fica com um sorrisinho escondido diante de cada atitude de rebeldia.
Essa autonomia tem sido gradativa e, para a maioria das mães, pode ser considerada lenta, afinal minha filha linda já tem quatorze anos. Porém, para mim é a realização de um sonho e também o pagamento de um esforço de anos que envolveu muitas preparações. Não me importa que só está vindo agora, nem importa o trabalho que deu. Na verdade, nem me importa que falta muito pra chegar no ponto que desejamos.
Tudo o que realmente importa é o quanto ela está feliz se descobrindo-se capaz. E o quanto ela é gentil. Olha que coisa mais incrível: ela deixa a minha escova de dentes com pasta e arrumadinha na pia quando escova os dentes antes de mim. Quem aguenta a fofura deste gesto carinhoso?! Ela também arruma meu pijama em cima da cama. Hoje fui deitar com ela (fico até que ela durma) e comecei a ver vídeos no celular bem baixinho. E ela: “mãe, trouxe o fone para você, taí do seu lado”. Ela faz essas gentilezas minha gente, dá para acreditar em tanta doçura? Demos os modelos, ensinamos, mostramos, contamos muitas historinhas e hoje posso me deleitar com esses mimos deliciosos.
Hora do banho
Pois então… Se seu filho está apresentando um comportamento indesejado, ou se tem algo que ele não está fazendo como deveria, não ataque o problema. Trabalhe as bases, dê apoio para que ele consiga alcançar aquele objetivo.
Como o exemplo do banho. Eu resisti muito para montar a estrutura do banho. Realmente achei que de tanto falar a Mi iria aprender. E não me custava ficar ali com ela repetindo o que ela deveria fazer. Pois bem, a escola enviou um esquema visual do banho (imagens abaixo). Foi o gatilho que fez ela me mandar embora do banheiro e me mostrou que o apoio visual era tudo o que ela precisava. Neste caso, o obstáculo estava em mim, na minha recusa em implementar esse esquema.
Fonte: Visual Aids for Learning
A Mi não foi treinada para buscar e preparar a própria refeição. Isso resultou de uma base trabalhada por anos e hoje me faz escutar: “Deixa que eu faço sozinha”, “Deixa ela fazer do jeito dela”. Começamos com mão a mão pegando o garfo, dizendo que era garfo, ajudando a segurar, ajudando a lavar e guardar e assim por diante. Dia a dia seduzindo ela para estar ao nosso lado, porque não adiantaria forçar. Com Autismo não tem essa de “vai fazer porque sou sua mãe e você tem que obedecer”. Por isso a sedução… Por isso, você primeiro faz, as pessoas da casa fazem, você mostra como outras pessoas fazem também e assim a criança se motiva, vai se juntando a você nas atividades e a base vai se formando.
Trabalhando as bases
Às vezes, pode parecer que as coisas por aqui são bem tranquilas e que eu lido com maestria com todos os desafios. Mas eu te garanto que não é por aí. Tudo é fruto de muito investimento, muito mesmo! Se quando a Mi tinha apenas oito anos eu comecei a prepará-la para a menstruação, hoje em dia chegou a hora de falar de coisas de um futuro bem mais distante (espero). Já falo para ela, sobre ‘quando eu morrer’, ‘quando ela não tiver mais mamãe para ajudar’. Digo muito que um dia ela pode vir a morar sozinha (este é o caminho natural para a maioria das pessoas com Autismo por aqui) e vou construindo junto com ela o conceito dessa possibilidade. Mas isto já é assunto para outro post…
Se você tem dúvidas sobre as bases de desenvolvimento, pesquise a respeito e se quiser, quando quiser, podemos conversar. Você pode apenas pensar o que seu filho ou filha deveria estar fazendo nesta fase de idade e que ainda não consegue. Faça uma lista e pense em cada item, tente lembrar como você aprendeu ou como outras crianças que você conhece aprenderam. Assim, partindo o aprendizado em etapas, você consegue ensinar. Mais que isso modelar que é o mesmo que exemplificar, mostrar fazendo, se preciso teatralizar a atividade.
Eu sei, é difícil né? Mas posso te garantir que vale cada gota de suor. E eu espero sinceramente que vocês consigam. Um beijo carinhoso e até a próxima.
Autonomia! Essa é a palavra! Quanto mais autonomia, mais fácil será para a criança no futuro, e também pra quem for cuidar dela! Parabéns Milena! Parabéns Cris! Também me pego às vezes valorizando e sentindo orgulho de algumas peripécias!
Que bom Ânara, que as peripécias estão presentes por aí também!
Um beijo mais do que carinhoso para você minha querida!!!
Adorei ler Cris 🙂 Bjs!
Obrigada minha amiga, mas quando eu vinha com o milho o teu fubá já tava pronto, como diriam lá em Minas…
Lembro de ver o teu esquema visual para o banho anos atrás e todo o preparo que você tem feito para a tal autonomia, deixam as minhas práticas pequenininhas…
Já disse que você é que tinha que estar dando aulas, palestras e treinamentos!!!
Beijo para vocês :]
Oi Cris! Incrível como ficamos felizes e realizadas em ver nossos filhos fazendo alguma coisa ”inadequada” para tantas mães, mas para nós tem um gostinho especial. Nunca vou me esquecer do dia em que meu garoto ”ficou bravo” com o primo e tomou das mãos dele um brinquedo! Ele NUNCA tinha interagido, brincado com o primo, mas neste dia, apesar da atitude ”inadequada”, para mim foi lindo vê-lo ”brigando” com o priminho. Pode? Outra coisa, eu sempre achei que criança tem que ter uma rotina básica na questão da alimentação, foi assim com as minhas duas mais velhas: criança tem… Leia mais »
Sandra que garotinho mais esperto! Lembro que quando a Mi fazia coisas assim que expressava a sua raiva eu aproveitava (na verdade até hoje eu faço isso mas com menos frequência) e dizia para ela que ela tinha sentido raiva, raiva é assim, a gente fica bravo quando alguma coisa acontece diferente da nossa vontade. Mas na hora era só uma frase simples levava a minha mão no peito dela e dizia: você está com raiva, brava. E depois eu explicava na hora de dormir. Enfim… é importante aproveitar cada oportunidade e ensinar sobre emoções ajuda muito! Quanto ao leite,… Leia mais »
Nossa estamos passando por uma fase tão difícil aqui em casa.
Esse post foi, de certa forma, um bálsamo para minhas tristezas….
Meu filho tem 7 anos e muita dificuldade em controlar o esfíncter (qualquer mudança, insegurança, estresse e volta a fazer o cocô na calça) ano passado tínhamos (achei) superado isso.
De uns 3 meses pra cá regredimos totalmente é muito mais do que antes…
Alguma dica? Como faço para ajudá-lo ?
Obrigada!
Andressa querida que difícil!!! Acho que controlar o stress é um ponto, aqui em casa eu tenho dois remédios mito poderosos, uma homeopatia e outro um floral de Bach… tem muita gente que não acredita e eu respeito. Mas talvez você consiga identificando o começo da situação de stress e ajudando a ele a lidar, se fosse aqui por exemplo eu falo que vou sair e a Mi quer ficar em casa, eu já sei que ela vai ficar estressada e aí eu fico por conta dela e vou guiando ela o tempo todo. Ou se a gente vai viajar,… Leia mais »
<3 <3
Tenho tido muitaaaa dificuldade em lidar com a sequência de gritos da minha pequena. Ela acabou de fazer 6 anos, e é não verbal. Tem dias que fico atordoada… a não ser que eu largue tudo pra ficar com ela, é uma gritaria danada. Confesso que não sei lidar muito com este comportamento. A Mi passou por isso também Fausta?
Oi Mariliza Milena passou pela fase dos gritos, com certeza. Fase inesquecível!!! Lembro de quando íamos no shopping e ela começava a gritar, a gente ia embora mas até alcançar a saída era um show com uma plateia nos olhando com aquele olhar de julgamento. Fase difícil! Nesta fase estávamos com o primeiro psicólogo que a Mi teve. Ele nos orientou a trabalhar com ela noção de tempo, dizer pra ela o tempo todo que hora era, que hora a gente almoça, que hora a gente toma banho e dizer daqui a quinze minutos, daqui meia hora e desta forma… Leia mais »
Bom dia Cris, Eu tenho uma filha de 9 anos que tem autismo e muitas vezes me deparo achando que somente eu no mundo que passo por essas dificuldades, é muito difícil aqui em casa e ao ler seu blog vi a possibilidade de ter uma vida mais tranquila e normal. minha filha depende bastante de mim, pra dar banho, trocar a roupa e nessas tarefas ela me da bastante trabalho, as vezes me agride, mas ao mesmo tempo é a criança mais doce e meiga que já vi. Infelizmente hoje passo por dificuldades financeiras e não consigo pagar um… Leia mais »
Taiara conta comigo
Tenho a alegria de ter um monte de “sobrinhos e sobrinhas” com autismo. Pude contribuir de alguma forma com algumas mães e faço isso voluntariamente. Pode me adicionar no face e podemos conversar via messenger se quiser.
Você também por eme mandar um email e marcamos uma hora. Tem muito o que fazer! É possível ajudar a sua filha mesmo sem tem que pagar terapeutas.
Espero seu contato. Obrigada pelo carinho. Um abraço!
Oi Fausta Cristina
meu nome é Cíntia tenho um filho que tem autismo moderado é verbal,com atraso na fala.Moramos atualmente em uma cidade pequena sem muitos recursos para atender nossas crianças, o Andre meu filho está em fase de alfabetização mas apresenta dificuldade . Será que poderia me passar algumas dicas?Com quantos anos a Milena foi alfabetizada?
Obrigada.
Oi Cíntia Cada pessoa com autismo vai responder diferente a cada método de alfabetização. A grande maioria vai preferir o método fônico com muito apoio visual, mas algumas pessoas com autismo se dão muito bem com o método global. A Milena tem excelente memória então eu comecei com o global, ele trabalha com a visualização da palavra, eu cheguei a trabalhar com ela o método Doman. Depois seguimos para o silábico, contratamos além da psicopedagoga e da psicóloga, uma pedagoga que a auxiliava. Nada disso funcionou. Ela estava se dando muito bem com o método fônico (boquinhas) mas aí nos… Leia mais »