Pés subindo escadas.
14 anos,  Rotina

Preparando terreno para conquistas


*Use fones de ouvido para escutar o áudio melhor.

Cada pequeno sinal de independência e iniciativa é maravilhoso e eu comemoro sempre. Às vezes secretamente, como aconteceu agora há pouco.

Fui na geladeira, peguei a vasilha com meu queijo branco e vi que um bom pedaço tinha sido secretamente arrancado. Jamais imaginei que um dia poderia comemorar uma coisa dessas. Mas acreditem, meu coração entrou no modo festa ao constatar que alguém anda fazendo “arte” escondidinha e sendo assim tão sapeca…

Essa fase de independência, de fazer coisas escondidas, fechar a porta do quarto, comer sem precisar da minha ajuda, tomar banho e se arrumar sem a minha interferência e mais uma série de conquistas, se consolidaram depois da nossa vinda para cá.

Dúvidas e esperanças

A coisa que eu mais ouvia quando Milena ainda bebê era a incerteza que o futuro guardava. Uma boa dose de medo era diariamente enfrentada (mesmo que eu negasse ou controlasse). O que eu mais temia era justamente o nível de autonomia e independência que ela seria capaz de conquistar.

Preciso confessar que eu realmente duvidei em muitos momentos de um futuro com esse nível atual de autonomia, diante de tanta dificuldade de aprendizagem; Da alfabetização que não acontecia a despeito dos inúmeros métodos e profissionais competentes que buscamos; O sério déficit motor; Apraxia da fala e mais a grande dificuldade em planejamento.

Acho que duvidei porque eu sou gente, sou humana demais para superar os prognósticos ruins que me eram apresentados. Ninguém afirmava nada, eram apenas esperanças e possibilidades e é claro que isso me angustiava demais.

Por isso, hoje, ver um pedacinho de queijo roubado por uma menininha que sabe que está fazendo algo “não permitido”, mas que também está descobrindo um mundo de possibilidades, por si só é fabuloso! Pois acredite, tivemos que ensinar a ela o que é estar com fome. Após longos períodos sem comer ela estava de mau humor. E quando comia víamos pela quantidade e voracidade que o problema era fome. Também tivemos que ensinar a identificar que estava com frio e comunicar para que a solução da blusa de frio fosse buscada. Sim, caminhamos muito para chegar até aqui.

Autonomia na dieta

Voltando ao queijo, eu também deixei por conta da Milena a responsabilidade da sua dieta e eu não fico vigiando. comendo um pedaco de queijo Ela sabe que permito o queijo vez ou outra. Mesmo que ela não tome leite ou derivados desde os quatro anos quando entrou na dieta SGSC.

Antes a gente conseguia ver pelo comportamento dela quando ela comia algo “proibido”. Ela ficava mais hiperativa, agitada, pulava até suar, demorava a dormir, e houve um tempo em que a birra era certa. Nessas horas eu aproveitava e explicava para ela que aquilo tudo estava acontecendo porque ela tinha comido tal coisa… Não foi preciso muito e ela mesma começou a perguntar para as pessoas: “Tem glúten, tem leite?” E se a resposta for sim, ela não come. E o melhor, não sofre com isso. Além de estar acostumada ela não se sente única, pois eu não como carne e atualmente também estou na mesma dieta.

Independência que chega com o esforço

Além do cuidado com a dieta, ela também se cuida muito bem. Chega da escola lindamente adolescente, chuta os sapatos (vê se isso é coisa para uma mãe se orgulhar?), joga a mochila na cama e corre para a cozinha. Eu não preparo mais o lanche dela… Ela mesma escolhe o que vai comer e começa a detonar o que vê pela frente. Tem dias que não quer nada, mas na maioria das vezes ela come compulsoriamente por quase uma hora. Depois vem a hora da briga pra não tomar banho… Que delícia é viver esses momentos!!! A maluca da mãe fica com um sorrisinho escondido diante de cada atitude de rebeldia.

 

Essa autonomia tem sido gradativa e, para a maioria das mães, pode ser considerada lenta, afinal minha filha linda já tem quatorze anos. Porém, para mim é a realização de um sonho e também o pagamento de um esforço de anos que envolveu muitas preparações. Não me importa que só está vindo agora, nem importa o trabalho que deu. Na verdade, nem me importa que falta muito pra chegar no ponto que desejamos.

Tudo o que realmente importa é o quanto ela está feliz se descobrindo-se capaz. E o quanto ela é gentil. Olha que coisa mais incrível: ela deixa a minha escova de dentes com pasta e arrumadinha na pia quando escova os dentes antes de mim. Quem aguenta a fofura deste gesto carinhoso?! Ela também arruma meu pijama em cima da cama. Hoje fui deitar com ela (fico até que ela durma) e comecei a ver vídeos no celular bem baixinho. E ela: “mãe, trouxe o fone para você, taí do seu lado”. Ela faz essas gentilezas minha gente, dá para acreditar em tanta doçura? Demos os modelos, ensinamos, mostramos, contamos muitas historinhas e hoje posso me deleitar com esses mimos deliciosos.

Hora do banho

Pois então… Se seu filho está apresentando um comportamento indesejado, ou se tem algo que ele não está fazendo como deveria, não ataque o problema. Trabalhe as bases, dê apoio para que ele consiga alcançar aquele objetivo.

Como o exemplo do banho. Eu resisti muito para montar a estrutura do banho. Realmente achei que de tanto falar a Mi iria aprender. E não me custava ficar ali com ela repetindo o que ela deveria fazer. Pois bem, a escola enviou um esquema visual do banho (imagens abaixo). Foi o gatilho que fez ela me mandar embora do banheiro e me mostrou que o apoio visual era tudo o que ela precisava. Neste caso, o obstáculo estava em mim, na minha recusa em implementar esse esquema.

 

mais apoio visual para o banho

Fonte: Visual Aids for Learning

A Mi não foi treinada para buscar e preparar a própria refeição. Isso resultou de uma base trabalhada por anos e hoje me faz escutar: “Deixa que eu faço sozinha”, “Deixa ela fazer do jeito dela”. Começamos com mão a mão pegando o garfo, dizendo que era garfo, ajudando a segurar, ajudando a lavar e guardar e assim por diante. Dia a dia seduzindo ela para estar ao nosso lado, porque não adiantaria forçar. Com Autismo não tem essa de “vai fazer porque sou sua mãe e você tem que obedecer”. Por isso a sedução… Por isso, você primeiro faz, as pessoas da casa fazem, você mostra como outras pessoas fazem também e assim a criança se motiva, vai se juntando a você nas atividades e a base vai se formando.

Trabalhando as bases

Às vezes, pode parecer que as coisas por aqui são bem tranquilas e que eu lido com maestria com todos os desafios. Mas eu te garanto que não é por aí. Tudo é fruto de muito investimento, muito mesmo! Se quando a Mi tinha apenas oito anos eu comecei a prepará-la para a menstruação, hoje em dia chegou a hora de falar de coisas de um futuro bem mais distante (espero). Já falo para ela, sobre ‘quando eu morrer’, ‘quando ela não tiver mais mamãe para ajudar’. Digo muito que um dia ela pode vir a morar sozinha (este é o caminho natural para a maioria das pessoas com Autismo por aqui) e vou construindo junto com ela o conceito dessa possibilidade. Mas isto já é assunto para outro post…

Se você tem dúvidas sobre as bases de desenvolvimento, pesquise a respeito e se quiser, quando quiser, podemos conversar. Você pode apenas pensar o que seu filho ou filha deveria estar fazendo nesta fase de idade e que ainda não consegue. Faça uma lista e pense em cada item, tente lembrar como você aprendeu ou como outras crianças que você conhece aprenderam. Assim, partindo o aprendizado em etapas, você consegue ensinar. Mais que isso modelar que é o mesmo que exemplificar, mostrar fazendo, se preciso teatralizar a atividade.

Eu sei, é difícil né? Mas posso te garantir que vale cada gota de suor. E eu espero sinceramente que vocês consigam. Um beijo carinhoso e até a próxima.

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Quero que você saiba que não tenho a pretensão de apontar nenhum caminho nem ensinar nada. Tudo o que está escrito aqui tem a minha versão pessoal, baseada na minha própria vivência e que tem funcionado para mim e para minha filha.

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Ânara
Ânara
7 anos atrás

Autonomia! Essa é a palavra! Quanto mais autonomia, mais fácil será para a criança no futuro, e também pra quem for cuidar dela! Parabéns Milena! Parabéns Cris! Também me pego às vezes valorizando e sentindo orgulho de algumas peripécias!

M@rcia e Júlia
M@rcia e Júlia
7 anos atrás

Adorei ler Cris 🙂 Bjs!

Sandra Mourão
Sandra Mourão
7 anos atrás

Oi Cris! Incrível como ficamos felizes e realizadas em ver nossos filhos fazendo alguma coisa ”inadequada” para tantas mães, mas para nós tem um gostinho especial. Nunca vou me esquecer do dia em que meu garoto ”ficou bravo” com o primo e tomou das mãos dele um brinquedo! Ele NUNCA tinha interagido, brincado com o primo, mas neste dia, apesar da atitude ”inadequada”, para mim foi lindo vê-lo ”brigando” com o priminho. Pode? Outra coisa, eu sempre achei que criança tem que ter uma rotina básica na questão da alimentação, foi assim com as minhas duas mais velhas: criança tem… Leia mais »

Andresa
Andresa
7 anos atrás

Nossa estamos passando por uma fase tão difícil aqui em casa.
Esse post foi, de certa forma, um bálsamo para minhas tristezas….
Meu filho tem 7 anos e muita dificuldade em controlar o esfíncter (qualquer mudança, insegurança, estresse e volta a fazer o cocô na calça) ano passado tínhamos (achei) superado isso.
De uns 3 meses pra cá regredimos totalmente é muito mais do que antes…
Alguma dica? Como faço para ajudá-lo ?
Obrigada!

Mariliza Souza
Mariliza Souza
7 anos atrás

<3 <3
Tenho tido muitaaaa dificuldade em lidar com a sequência de gritos da minha pequena. Ela acabou de fazer 6 anos, e é não verbal. Tem dias que fico atordoada… a não ser que eu largue tudo pra ficar com ela, é uma gritaria danada. Confesso que não sei lidar muito com este comportamento. A Mi passou por isso também Fausta?

Taiara
Taiara
7 anos atrás

Bom dia Cris, Eu tenho uma filha de 9 anos que tem autismo e muitas vezes me deparo achando que somente eu no mundo que passo por essas dificuldades, é muito difícil aqui em casa e ao ler seu blog vi a possibilidade de ter uma vida mais tranquila e normal. minha filha depende bastante de mim, pra dar banho, trocar a roupa e nessas tarefas ela me da bastante trabalho, as vezes me agride, mas ao mesmo tempo é a criança mais doce e meiga que já vi. Infelizmente hoje passo por dificuldades financeiras e não consigo pagar um… Leia mais »

Cíntia Gomes Tavares
Cíntia Gomes Tavares
7 anos atrás

Oi Fausta Cristina
meu nome é Cíntia tenho um filho que tem autismo moderado é verbal,com atraso na fala.Moramos atualmente em uma cidade pequena sem muitos recursos para atender nossas crianças, o Andre meu filho está em fase de alfabetização mas apresenta dificuldade . Será que poderia me passar algumas dicas?Com quantos anos a Milena foi alfabetizada?
Obrigada.