13 anos,  Escola

A escola e seu impacto na vida de alguém com Autismo

bocalondonFérias começando

Por aqui as aulas terminaram. É o final de ano para as escolas inglesas, temos 45 dias de férias de verão pela frente e para nós férias significa tudo menos descanso, pois trazem uma inquietação com a desestrutura da falta de rotina, se bem que, com o passar dos anos, minha filha já tem um bom arquivo de memórias de férias passadas e por isso não é mais novidade e só de não ser novidade, já faz uma boa diferença na ansiedade.

Como todo final de ciclo, a gente pensa em tudo o que passamos neste primeiro ano em um novo país, com uma garota com autismo entrando na adolescência e que não fala o idioma local.

Sim, o sentimento de que conquistamos algo precioso faz tudo que está por vir nestes dias sem escola, um preço muito baixo a se pagar.

O que tenho para contar desta experiência, pode até virar uma aba nova no blog, pois quero tirar fotos, quero traduzir os documentos produzidos pelas equipes, quero compartilhar o máximo que eu puder! Quem sabe isso possa servir de modelo para alguém. Por enquanto, vou apenas fazer um relato para vocês e compartilhar também uma reflexão que eu tenho feito desde que conheci o Eric Hamblen em um workshop que fui em São Paulo em 2010. Acho que muitos familiares de crianças com autismo irão concordar comigo… Mas comecemos pelo começo.

Apoio visual: Cada conquista importante um certificado que ela mostra com muito orgulho!
Apoio visual: Cada conquista importante um certificado que ela mostra com muito orgulho!

Conquistas

O começo é algo que me deixa muito, muito feliz: Milena está cheia de si! Está “se sentindo”, está “convencida”, está “podendo”.

E sim pessoal, isso é BOM! Muito bom. Pra quem viu um bebezinho desistir cada vez que tentava algo um pouquinho mais difícil, e para quem até outro dia ouvia a cada hora: “ela não consegue”, “isso é muito difícil para ela mamãe”, “mãe, você pode ajudar a sua filha?”. Além de se referir a si mesma na terceira pessoa (por mais que a gente tenha corrigido estes anos todos), era muito comum esse pressuposto de não dar conta de nada que fosse diferente e repetidamente a gente seguia dizendo que sim, que ela podia, que ela conseguia, elogiávamos suas conquistas, mas ela seguiu se sentindo incapaz por muito tempo, acreditando de verdade que o mundo era difícil demais.

Hoje eu percebo que diante das grandes dificuldades de uma criança com autismo, a mais terrível é a sensação de não conseguir.

Imagine assim: Você vai para uma aula de desenho, na primeira aula seus colegas apresentam desenhos impecáveis, desenham sem dificuldade verdadeiras obras de arte e você consegue apenas alguns rabiscos infantis, por mais que todo mundo te incentive, te diga o quanto é legal o seu esforço, o resultado óbvio do seu fracasso está ali diante de você.

Imagino que é assim que ela se sentia quando via na escola todos estes anos, as amigas e seus cadernos copiados e enfeitados, todo mundo lendo, todo mundo se enturmando enquanto ela recebia… ajuda.

Em casa residência para aprender, com a ajuda da escola: conquistado! Ela se veste sozinha.
Traduzindo: Milena tem feito uma enorme melhoria em suas habilidades de independência, ela agora é capaz de colocar sua blusa corretamente e independentemente e abotoar independentemente.

Competência, a maior das conquistas

Quando a Mi era pequenina, os meus relatos aqui no blog mostram isso, eu fiquei encantada por termos o carinho das outras crianças ou melhor, o acolhimento porque a verdade é que nunca foi inclusão, mas foi acolhimento. E diante das exclusões que ela sofreu, depois de tantos traumas, era confortador receber carinho e atenção das equipes e das crianças. Mas era isso: ela era cuidada, era tratada o tempo todo como alguém que precisa de ajuda. Ela gostava de sentir esse carinho e eu também, mas o que foi produzido como resultado foi justamente… a insegurança. Por si mesma, ela não se sentia capaz de quase nada.

Não me deixam mentir as pessoas que trabalharam com ela no Brasil nos últimos anos, em todas as terapias a nossa grande dificuldade era lidar com um constante: “é muito difícil para ela”. Em uma colônia de férias com Eric, pouco antes de virmos para cá, já me impressionou o quanto ele conseguiu minimizar essa insegurança e fez com que pela primeira vez aparecesse a Milena “dona de si”.

Com a vinda para cá, em meio a outras crianças também com dificuldades, sendo compreendida nas suas limitações e incentivada em seus pontos fortes, ela desenvolveu o que o Eric nos disse ser o mais potente sentimento do ser humano: a competência.

Você precisa aprender a desenhar direito e de fato produzir um bom e convincente desenho, senão vai continuar ganhando apenas tapinhas nos ombros que não significam nada, porque você vai continuar se sentindo deslocado naquela classe de artistas.

magnet
Aprendendo sobre magnetismo em ciências. Todas as aulas trazem atividades concretas ou apoio visual. Nada é apresentado apenas teoricamente.

A estrutura da escola de Londres e seu efeito

Estar em um ambiente onde as outras garotas, da mesma idade, tem dificuldades semelhantes e até mesmo poder contribuir com algo que ela faz bem, trouxe para Milena um sentimento de competência muito consistente.

Na reunião final a professora nos mostrou um vídeo da Mi cantando em inglês, afinada e confiante diante da escola toda em uma apresentação interna. O olhar que eu meu marido nos demos diante do que estávamos assistindo e toda a emoção deste momento, supera o que as palavras conseguem expressar.

Eu sempre resisti à escola especial e odeio a ideia de que uma criança seja impedida de frequentar uma escola por conta de suas dificuldades. Não aceito o preconceito e sim, sou defensora da inclusão, quero que ela seja um direito e quero também que se torne uma prática verdadeira e sei que há muitas escolas em nosso país fazendo bem esse papel. Mas preciso dizer também (e entendo se você não concorda) que não sou mais contra o lugar que a escola especial pode ter como opção de escolha, como possibilidade e quem sabe um dia não trabalhem em conjunto escola formal e especial, como acontece aqui.

Sempre acreditei que a Milena precisava dos modelos típicos para seguir, sempre achei que se ela convivesse com pessoas com dificuldades maiores o tempo todo, ela não teria desafios e poderia até mesmo, copiar comportamentos sem função. Por isso a escola formal foi nossa escolha.

Aqui ela está em uma classe especial dentro de uma escola comum. As garotas que estão agrupadas na turma da Milena têm um grau de autismo muito próximo ao dela e fazem muitas atividades juntas com as meninas da escola comum. Elas vão assistir às aulas que podem acompanhar, pode ser matemática, ciências, no caso da Milena isso é mais limitado por conta do idioma, mas ainda assim ela vai para as aulas de música, educação física e jardinagem. Elas também recebem em sua sala as meninas da escola, Milena tem duas amigas da escola comum dentre elas a Mi gosta muito da Aya e da Stacy. Elas também compartilham o horário de almoço e o pátio durante o intervalo.

Na nossa reunião de avaliação final o coordenador tinha que apresentar o relatório de prestação de contas para o governo, com pelo menos oito conquistas da Milena. À medida que fomos listando as conquistas junto com a professora ele pediu para pararmos pois já tínhamos listado quatorze itens! :]

fun
Ela se sentiu motivada a se desafiar porque todos respeitam seu jeito diferente de ser, bem como das suas colegas também com autismo.

Passos firmes, há muito que andar

A escola já estabeleceu objetivos para daqui dez anos e dividiu este objetivo ano a ano.

Por isso esse é só o começo, há muito o que fazer, estamos o mais junto possível – escola e família – na busca do que temos ainda para conseguir.

Não, a gente não vive o paraíso das escolas no melhor modelo de educação, mas pelo menos temos a certeza de que estamos em um lugar onde as pessoas sabem o que fazer.

Depois de tantos anos, vejo no Brasil que muito graças ao trabalho das mães e pais, a consciência sobre o autismo aumenta e também aumentam as práticas que valorizam os pontos fortes destas pessoas incríveis que têm muito a contribuir.

Fazer com que as pessoas percebam o quanto a diversidade faz bem e o quanto cada um tem de fato e de verdade algo para contribuir, ainda é um desafio enorme, mas a cada dia que passa, vejo com esperança esse desejo se tornar possível. Para chegar até aqui muitos pais da National Autistic Society que existe há mais de cinquenta anos em Londres e outras organizações afins, lutaram muito e essa luta não está nem perto de acabar. Que nós no Brasil possamos seguir batalhando por tudo o que nossos meninos e meninas precisam e merecem. Que ninguém cale a nossa voz, que ninguém nos impeça.

annualrevw
Capa do relatório: Uma garotinha feliz e cada vez mais competente. Não existe resultado melhor!
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Quero que você saiba que não tenho a pretensão de apontar nenhum caminho nem ensinar nada. Tudo o que está escrito aqui tem a minha versão pessoal, baseada na minha própria vivência e que tem funcionado para mim e para minha filha.

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Silvana
Silvana
8 anos atrás

Nós é que agradecemos a vocês Fausta Cristina e Milena, por dividir conosco tantas maravilhas, as conquistas, as dificuldades, as alegrias, os choros, e com isso mantendo viva a nossa esperança. Um enorme abraço para vocês… ( Sempre me emociono muito com as conquistas da Milena)…… Bjs!!!!!

Michele Luiz
Michele Luiz
8 anos atrás

Feliz por tantas conquistas, pela felicidade da Mi e por você, Cris! Parabéns garotinha linda!

Neusa Almeida
Neusa Almeida
8 anos atrás

Fausta, que texto incrível. Sempre pego muito de seus textos para minha vida como aprendizado. Parabéns por todas as conquistas, elas só São possíveis pq o Amor é a única regra fundamental.

Michele Luiz
Michele Luiz
8 anos atrás

Parabéns, garotinha linda, por todas estas conquistas! Por muitos sorrisos radiantes como este, Mi, ao longo da sua vida. Parabéns, Cris! Muito feliz por vocês, beijos.

Sonia Vieira
Sonia Vieira
8 anos atrás

Oi Fausta, estou lendo o se blog pela 1 vez, e estou amando. Tenho um filho que está com 14 anos, aos 5 o neuro nos disse que ele tinha TEA, mas não colocou no papel para não rotular. Ele estudou numa escolinha perto de casa, e la começou a mostrar , pois já sabia o alfabeto todo com 2 anos e aos 4 achava a prof. burra, naos aceitava fazer nada na escola. Foi quando conheci o TEA. Mudamos de escola, foi para o construtivista, foi bem recebido e foi feito um trabalho que ele foi evoluindo, mas sempre… Leia mais »

janice
8 anos atrás

Maravilhoso texto, Fausta. Que a Milena continue conquistando mais e mais habilidades! Gostaria que o Brasil pensasse melhor sobre a inclusão. Temos ganhado espaço na escola, mas a inclusão efetiva está longe de acontecer.

Carmen
Carmen
8 anos atrás

Obrigada Fausta por dividir conosco as conquistas da Milena! Sempre me identifico muito com os seus textos e fico muito feliz com os progressos dela. Como já te falei, tenho um carinho especial pela Milena e por vc, acompanho o Blog desde 2010, época do diagnóstico da Maria Clara, que hoje está com 8 anos. Adoro a aba “Milena por idades” sempre encontro algo quando preciso. bjs

Renata
8 anos atrás

Cris, que delícia te ler e que delícia saber dos avanços da Milena. Que venham muitos mais! Beijos animados e com saudades.