9 anos,  Comportamento,  Comunicação,  Desenvolvimento atípico

Milenices

É muito comum entre as crianças com Autismo, que elas queiram toda a atenção das pessoas para ela. A palavra Autismo vem do grego Authós e quer dizer mais ou menos “em si mesmo”, autistas geralmente centram as suas atitudes em sua própria perspectiva, por isso, o que querem é o que importa e convencê-los a não fazer algo que querem muito é uma tarefa árdua.

Esta forma de querer toda a atenção para si ao mesmo tempo em que têm dificuldades em compartilhar se deve em parte ao déficit da Teoria da Mente (capacidade de atribuir estados mentais a outras pessoas) para elas o que é de interesse delas também é o interesse dos outros, essa dificuldade, aliada ao cuidado extremo da família que busca o tempo todo estimular, ensinar, direcionar faz com que se habituem a ter sempre muita atenção.

Diálogos

Milena também é assim, quer a mamãe sempre junto nos momentos mais inusitados e também me disputa com o pai, com maeminhabvisitas, com a TV. Sempre que estou muito animada em uma conversa, minha princesinha dá um jeito de atrair minha atenção para ela, é comum quando estamos no meio de uma conversa ela interfira exigindo atenção e nós corrigimos. Digo para esperar a vez dela explicando sempre: “agora estou falando com seu pai.”

Esta semana ela foi enfática com o pai dela, no carro ela me contava alguma coisa e o pai não percebeu e tentou me dizer algo, na mesma hora ela soltou um sonoro: “shhh papai! tô falando com minha mãe!!!”. Como o tom autoritário e essa prontidão em reagir diante de algum evento não é muito comum, ficamos espantados com a reação e gostamos do progresso que ela representa, embora não seja uma atitude muito educada.

Mas coisa que pais de crianças especiais fazem sempre é comemorar o que ninguém mais comemoraria, né?

Carinho na bolsa

quadrofrasebOutros episódios adoráveis a meu ver valem a pena ser relatados aqui, além do registro neste diário virtual, serve também para os pais que receberam o diagnóstico recentemente, percebam que seus filhos ainda trarão muitas alegrias e para quem já nos acompanha há muito tempo sabe o quanto estes momentos significam para nós 🙂

Como sabem, Milena adora alguns objetos, inexplicavelmente ela se interessa por coisas seja de quem for ou onde for. Muitas coisas minhas também são alvo do seu “amor”, uma destas coisas é uma bolsa marrom que tenho. Outro dia ela quando eu chegava ao invés de me dar um beijo ela disse:

– Oi bolsa marrom, posso dar um beijo na sua bolsa mamãe? E eu meio decepcionada ensinei: amobolsab

– Filha a gente não dá beijo em coisas, a gente dá beijo em pessoas!

– Ah sei! Então eu faço só carinho, que acha ideia, pode ser assim?

Desfralde

Como o forte das pessoas com Autismo não é definitivamente regra social, precisamos estar o tempo todo ensinando sobre as coisas inadequadas em certos ambientes. Para que Milena saísse das fraldas e fizesse o “número dois” no banheiro, tivemos que diminuir o nojo que ela tinha e trouxemos o assunto cocô para ser tratado com muita naturalidade. Ela então passou a falar que estava com vontade, que ia fazer, coisa e tal na mesa na hora da comida. Começamos então a dizer a ela que a gente não fala sobre cocô na hora da comida, etc, etc… Pois bem, recebemos a visita de amigos queridos do Rio e não deu outra, na mesa ela passou a mão na barriguinha e disse eu vou… aí se tocando levantou da mesa sem terminar de dizer, mas não aguentou, chegou na porta e disse:

– Eu vou ali fazer… uma coisa! E completou: uma coisa que tá aqui na minha barriga 🙂

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No telefone

Ela adora conversar ao telefone. Liga o dia todo se deixarmos para as avós, para as tias, madrinha, irmã… E melhor ainda se a pessoa entra no Skype, por isso ela pedia outro dia:

– Vovó entra no Skype!

– Eu não sei entrar Milena, não tem ninguém aqui em casa!

– Eu te ensino vovó, tá vendo o botãozinho azul… o S… então aperta… aperta de novo cinco vezes! Deu céto vovó? Agora aperta o botãozinho verde da Milena…

Deu certo, as duas conversaram muito e eu ouvindo do outro quarto fiquei quietinha chorando de orgulho 🙂

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No telefone com minha mãe ela perguntou o que minha mãe era da minha neta Bruna, sobrinha da Milena e minha mãe respondeu que era bisavó. Ela exclamou espantada:

– Nossa, bisavó?! … você não quis ser tia dela?

Como se a gente pudesse escolher 🙂

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“Sua filha”

Eu tenho um sábado de cada mês um compromisso sagrado, a reunião de Pais e Colaboradores que nós do Instituto Autismo e Vida promovemos. Ela já sabe que neste dia vai passar a tarde com o pai dela e neste mês foi hilário, ela tentava me convencer a levá-la na reunião, mas eu reforçava que não era uma reunião para crianças. Ela então começou a falar diretamente para o pai dela:

– Olha papai, você vai ficar com ela (referindo-se a si mesma), mas não pode dormir viu? Tem que ficar e conversar com a sua filha!

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Esta coisa de sua filha é o máximo. Todos os dias escuto:

– Mamãe, tô com fome! Você não vai dar comida para sua filha?

Ou então: – Mãe tô falando contigo, dá atenção pra sua filha!

E estes dias ela estava com uma baita “piguiça” e me pediu para escovar os dentes dela, eu disse que ela sabia escovar, que escovasse sozinha e ela se lembrando da Dra. Simone, sua dentista me advertiu:

– A dentista falou que você tem que escovar o dente da sua filha, lembra?

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Altos e baixos

A gente esquece muitos episódios legais. Estes que relatei, eu fui anotando no celular. Mas Milena nos enche de orgulho a cada dia, mas também nos mostra o quanto se apega às pessoas e fica muito transtornada com coisas que sabemos que irão acontecer muito ainda na sua vida. Ontem foi uma aula de balé cancelada, dormiu me perguntando por que não teve aula… Às vezes expressa com todas as letras: não gosto do diferente, se percebe que algo mudou.

Ela expressa seu desapontamento em casa ou de uma forma que não é muito evidente para os outros que dizem: -ela não ligou… ela ficou bem…

Isso aumenta o meu medo de morrer, aumenta a sensação de que só eu consigo ler Milena nas entrelinhas e expressar por ela seus medos e frustrações. Fazer esta tradução do que ela sente para ela mesma e para os outros. Percebo que está nervosa e mostro para as pessoas como ela está diferente, que comportamento está expressando sua ansiedade, digo a ela: você está ansiosa, por que tal coisa aconteceu, vamos conversar… vou te explicar….

Ainda assim é maravilhoso perceber que tenho a capacidade de ler uma pessoa! Muitas vezes consigo “ler” outros autistas também. É como se eu fosse capaz de falar uma outra língua: a língua expressa pelo comportamento. É claro que cada um é diferente, mas a origem das diferenças vem da mesma fonte, o déficit de funções específicas, de aspectos do desenvolvimento muito típicos do Autismo.

Mimib

Preciso parar de escrever este longo post… se deixar vou escrevendo e daqui há pouco tenho um verdadeiro testamento! É sempre um grande prazer compartilhar nossas experiências e é magnifico conhecer pessoas que me conhecem do blog, que me agradecem pelo blog (imagina!) e que se identificam conosco. Faz tudo isso valer muito mais a pena. Obrigada!!!

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Quero que você saiba que não tenho a pretensão de apontar nenhum caminho nem ensinar nada. Tudo o que está escrito aqui tem a minha versão pessoal, baseada na minha própria vivência e que tem funcionado para mim e para minha filha.

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