7 anos,  Comportamento,  Comunicação,  Interação social

Milena – Guia Prático

Eu deveria fazer algo como um guia para distribuir para as pessoas que fossem conviver com a minha Mileninha. Acho que é a vontade da mãe que quer ver sua filha incluída e compreendida onde quer que ela esteja. Se fosse possível fazer um guia, não para o Autismo, mas para a Milena, incluiria instruções básicas.

Algumas coisas que para mim são bem claras e que, às vezes, as pessoas não entendem ou não sabem como interpretar, como proceder. Eu posso separar em grupos: vocabulário a ser traduzido, comportamentos a serem entendidos e por último o que fazer. Seria algo mais ou menos assim:

Vocabulário a ser traduzido

Oi: possível saudação, mas também uma forma de puxar assunto de dizer: “quero contato com você, mas não sei bem o que oidizer”. Posso falar oi no meio da conversa para mudar de assunto, desviar sua atenção.

Palavras com mais de duas sílabas ainda estão sendo difíceis de pronunciar, por isso eu posso dizer palavras bem estranhas:

  • chocorro = cachorro
  • chocoeira = cachoeira
  • márra = arruma
  • istíla = sorveteria
  • tôfone = telefone
  • quésta = bicicleta

Falar os encontros consonantais é a última etapa na aquisição da fala, por isso, sílabas como pra, bra, blu, fla, tra por exemplo eu irei substituir. Caso não consiga me entender, eu vou procurar uma forma de me fazer entender, tenha paciência.

Quando eu disse para minha mãe que queria um bulú, ela me mostrou que não entendia, mas que estava interessada, então consegui explicar: “aquele quéche que a minina compô…” e continuei a explicar “aquele de comer, de môango…” Aí minha mãe entendeu que eu queria dizer: chiclete babaloo.

Comportamentos a serem entendidos

Eu vou precisar de sua paciência, pois faço muitas perguntas. A menos que tenha algo muito legal para fazer, que me prenda a atenção (coisa rara), eu vou ficar perto dos adultos perguntando sobre bolsas, roupas, querendo saber onde você foi, porque teve que ir, onde comprou tal coisa, quanto custou.

bucha

Talvez eu queira alguma coisa sua que me encante: pode ser a sua pulseira caríssima, mas provavelmente será sua caneta, sua borrachinha de prender cabelo, seu batom, seu creme ou até mesmo um pedaço de papel que eu veja na sua mão.

Se o meu desejo pelo seu objeto for moderado ou leve, irei entender quando você disser que não posso ter o que quero, que depois você me dará um de presente. Mas se este desejo for intenso, será um problema para minha mãe, falarei disso obsessivamente e com certeza terei meu comportamento alterado pela impossibilidade de tê-lo. Minha mãe pode te ajudar muito neste momento, se for algo que você possa trocar sem prejuízo para você (eu adoro trocar, mais do que ganhar) como a borrachinha de cabelo, ou a caneta, talvez ela te peça para me atender. Geralmente, desviar minha atenção logo no início é a melhor estratégia.

Coisas inusitadas me fazem tremer de medo. Se te uma cadeira em cima da mesa ou uma cortina na porta, um degrau que não estava ali antes, uma cortina nova, posso ficar parada sem me mexer ou colocar a mão no ouvido que é uma das minhas reações de proteção. A melhor coisa a fazer é me explicar e não adianta me forçar a chegar perto, coisas assim, pois eu no meu tempo vou superar. Pode ser que eu fale disso muitas vezes.

Eu tenho estereotipias motoras, estico minha pena direita, balanço a mãos e abro a boca de um jeito bem estranho. Você pode dizer para eu parar, o comando que usam comigo nestes momentos é: “sem estereotipia Milena”, “estereotipia não”… Isso acontece quando estou empolgada demais com alguma coisa, pode ser algo simples como te ver passando a mão no cabelo.

O que fazer

Não me abrace ou beije a menos que eu tome a iniciativa. O fato de eu não te abraçar, não significa que eu não goste de você,semabraco mas, sim, que eu tenho o meu tempo. Eu não faço nada por uma regra social ou como sinal de educação, faço quando sinto vontade.

As negativas, os limites são importantes para meu aprendizado. Mas a forma de dizer impondo não me agrada e como não entendo porque tenho que obedecer. Me irrito com os limites, chamam isso de “baixa tolerância às frustrações”/“dificuldade de entender limites”. Você pode me conduzir, substituindo:

  • puxacabeloNão me bate! – por : pare de bater! Eu sei que você está triste, vamos fazer outra coisa mais legal?
  • Não grite! – por: devemos falar ao invés de gritar ou: você precisa falar para eu entender, se gritar não vou te ouvir ou ainda: as pessoas falam sem gritar, se quiser falar comigo é sem gritos.
  • Não suba na cama! – por : desça da cama ou: a cama é lugar para deitar e dormir, vamos fazer outra coisa?
  • Não mexa! – por: este é meu, vamos ver outra coisa? ou: esta coisa pode quebrar, vamos procurar uma coisa legal para fazer?
  • limites (1)Quando eu quiser algo fora de hora ou impróprio também não precisa negar, é importante me dar opções:
  • Posso comer este bolo? – pode, no lanche da tarde vamos comer muito, mas agora nós precisamos almoçar. Vamos ver o que a mamãe está cozinhando?
  • Posso tomar banho? – pode sim, daqui uma hora você vai tomar banho!!! Que legal!!! Agora vamos terminar a tarefa de casa?
  • Posso pegar a tesoura? – pode sim, aquela sem ponta que tem no seu estojo, esta é para gente grande e vai pode te machucar!

E se você conseguir direcionar a minha atenção imediatamente para algo melhor será fantástico, mas se eu insistir, você pode continuar repetindo enfatizando muito mais o que eu posso fazer. Enfatizar as minhas atitudes corretas com muito elogio, principalmente nos momentos de crise, vai me dar o tipo de reforço que preciso. Ao invés de chamar a atenção com o errado, vou entender que posso agradar mais fazendo o correto.

Resumindo esta regra de ouro: ignorar ou redirecionar atitudes ruins, elogiar as boas atitudes.

Por fim…

Este guia prático teria realmente muitas páginas. Vou me lembrando de coisas únicas nesta minha versão de “uma menina estranha*”. Como a sociedade está totalmente despreparada para lidar com o diferente (embora todas as pessoas sejam tão somosdiferentesdiferentes), precisamos explicar o tempo todo as diferenças nada sutis no comportamento da nossa garotinha.

Ao terminar de postar as orientações, pelo menos os leitores deste blog, podem dizer que estão capacitados para entender e lidar com a Milena.

Quer um certificado? :))

Beijos e até mais…

*Título do livro de Temple Grandin como indicado no post do dia 24/02/2010

Livros escritos por pessoas com Autismo

0 0 vote
Article Rating

Quero que você saiba que não tenho a pretensão de apontar nenhum caminho nem ensinar nada. Tudo o que está escrito aqui tem a minha versão pessoal, baseada na minha própria vivência e que tem funcionado para mim e para minha filha.

Subscribe
Me envie notificações de
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments