Frustrações na escola
Este post promete ser mais longo, pois preciso contar pra vocês sobre este momento da Milena. Esta semana ela deixou a todos na escola boquiabertos quando externou toda a sua frustração e teve uma birra em plena sala de aula. Quando cheguei ela estava jogando as coisas dos amigos no chão, bem no final da aula. Assim que me viu se assustou, o que é engraçado, pois eu não bato na Milena, não coloco ela de castigo, mas ela tem um verdadeiro pavor quando as pessoas dizem que vão me contar sobre algo que ela aprontou ou quando percebe que cheguei enquanto ela está fazendo algo inadequado.
Assim que me viu ela saiu da sala passando direto por mim e se dirigiu à primeira mãe que encontrou na porta dizendo: “você pode ser minha mãe?” Ou seja, a coisa tava feia, o jeito era trocar de mãe 🙂
Pra quem não me conhece eu sou dessas pessoas pasmaceiras… Eu não me estresso com o óleo que cai no chão da cozinha, nem com o caos instalado. Na verdade eu me estresso, mas a reação instantânea é: “agora é hora para a calma” e assim permaneço até que tudo se resolva. Na hora do pânico e da confusão eu reduzo para a primeira marcha e fico assim bem slow.
Daí eu calmamente expliquei para a mãe desconhecida o que aconteceu, peguei a mão da Milena e disse: “ei, eu estou aqui com você, sou sua amiga, vamos resolver isso juntas”. E fomos para a sala da coordenação para conversar.
Escola especial ou não?
Esse é um momento em que estamos no meio de uma grande discussão a respeito da inclusão no Brasil, eu tenho ponderado muito com os pais que são totalmente contra e com aqueles que são totalmente a favor da existência da escola especial. Eu que em tudo na vida tento sempre buscar o caminho do meio, acho que a inclusão é o caminho para quase todas as crianças com Autismo, mas acho que acima de tudo, elas precisam ser felizes. Criança sofrendo na escola e sendo obrigada a permanecer porque alguém diz que tem que ser é péssimo.
Por outro lado, escola usando a desculpa de que essa criança não pode ser incluída ao menor sinal de dificuldade (acontece, pode ter certeza que acontece o tempo todo) isso é também inadmissível. Minha maior tristeza é que tenha que existir uma lei para obrigar as pessoas a serem humanas e competentes, sempre digo que o termo escola inclusiva tinha que ser uma redundância!
Neste barco que balança entre os extremos de um mar agitado, tem um tanto de gente que não tem equilíbrio sequer pra seu próprio barco e então ninguém se entende e o que é muito triste às vezes não se respeita também. Seguimos lutando pelo mundo do respeito às diferenças, mesmo quando nós não aprendemos de fato aceitar e respeitar os que pensam diferente de nós.
Reações na escola
Pois bem, voltando para o meu barco particular (que nenhum autista esteja me lendo com tanto sentido figurado)… Milena tem estado agitada, segundo a escola, após o intervalo do recreio. Ontem a acompanhante dela não apareceu e não avisou e ela sentiu, ela também sentiu o fato de voltar para a escola, mas não voltar para a turma que estava com ela há dois anos, eles seguiram para o quarto ano e ela ficou no terceiro. Ela foi muito bem aceita e muito acolhida pelos novos amigos, mas eles são novos e diferentes e eu sei que ela vai levar um tempo para acomodar tanta novidade.
Um ano letivo começando em agosto, toda a emoção de retornar e se ajustar… Junto a tudo isso ainda temos o sensorial sobrecarregado após o barulho do recreio e o emocional também, o recreio, todas as crianças se socializando e onde – para a Milena – as diferenças dela mais pesam… além disso tudo (muita coisa né?) ainda tem o frio, que nestes últimos dias tem castigado mais e quando o corpo vai esfriando ela não percebe simplesmente, como não percebe que está com fome, como não percebe se está com vontade de ir ao banheiro… ela até percebe mas deixa pra lá, não faz nada a respeito e se a gente não direciona ela entra em colapso sem saber explicar o que está acontecendo. Ao final destas tardes chuvosas ela já está com mãos geladas e com certeza se sentindo desconfortável também.
Ufa! Todos estes fatores envolvidos e somados fizeram que ela vivesse momentos de agressividade e o pior, quando chamada a atenção ela reagiu com o mais primitivo dos impulsos: a risada. Preciso fazer um post só sobre isso, mas a risada neste caso é uma reação que não comunica descaso não, é apenas comunicação, instinto de quem não tem nenhum esquema que expresse o quanto ela sente pelo que fez, o quanto ela se envergonha de ter agido assim.
No curso que fizemos em São Paulo ano passado, Eric Hamblen nos disse que “o reflexo mais forte que o ser humano tem é a risada e o segundo é ficar bravo”. Quando a gente é colocado em uma situação em que estamos expostos, é comum a gente dar uma risada quando cometemos um erro. Nem sempre estamos nos divertindo, nem sempre estamos realmente achando legal ou engraçado é apenas uma reação quase involuntária.
Desta forma, acuada diante do desconforto Milena ri, e ela também observa as pessoas adultas que ao comentarem sobre suas “artes” o fazem sorrindo. Ela chama muito mais a atenção quando apronta do que quando se esforça (e ninguém percebe) para fazer o que é apropriado.
Nossa parte
Bom, eu digo que devemos viver cada dia de uma vez. Eu e minha família temos acreditado que os desafios com Milena tendem a ser todos superados, mas a gente sabe que isso não vai acontecer da noite para o dia. Uma vez que a escola entenda minha filha e consiga ler sua emoção antes mesmo dela expressar em comportamentos, tudo vai ficar mais fácil. Eu entendo que é um baita desafio para a escola, mas Milena é uma garotinha doce e linda e quer muito aprender. Sabemos que não falta potencial, na verdade, falta que a nossa parte – nós os típicos – seja bem feita.
Se você dá um livro normal e pede para uma pessoa cega que ela leia e ela obviamente, não consegue, de quem é o erro? Será que é a pessoa com deficiência que tem que se desdobrar para dar conta das demandas que o mundo traz ou nós os típicos é que temos de nos desdobrar para dar demandas adequadas para quem tem dificuldades?
Nunca vi ninguém tentar vencer uma corrida de carros usando uma bicicleta… A pessoa com Autismo tem alterações importantes que as impedem de funcionar do nosso jeito. Será justo querermos que eles sejam equilibrados, comportados, eficientes, coerentes??? Será mesmo que as crianças típicas nos dão todo o retorno que nós temos esperado dos nossos autistas???
Inclusão de verdade
Sem culpar a ninguém espero apenas salientar onde estão as falhas para que a gente busque corrigi-las sabe? Tenho tido sorte de encontrar pessoas incríveis neste caminho. Pessoas que quase sempre não sabem bem o que fazer, mas que estão super interessadas em descobrir como ajudar minha filha. Sou grata a isso! Porém, a gratidão e o reconhecimento não basta, preciso quando for necessário exigir um tantinho a mais. É mais ou menos assim: não te obrigo a entrar no barco, se você veio fico muito feliz, porém você precisa aprender a remar!
Espero sinceramente trazer a excelente notícia de que Milena se adaptou bem e seu comportamento melhorou e que as demandas têm sido mais tranquilas para ela. Por enquanto fico aqui administrando a sua frustração diante da consequência do seu mau comportamento, imposta por mim (não se trata de castigo…) ela ficou em casa por dois dias sem ir à escola. Ela precisa entender que ações tem consequências, que a compreendemos mas não vamos deixar de cobrar e ensinar.
Um abraço a todos, obrigada por nos acompanhar, é uma enorme alegria receber sua visita, sempre! 🙂