Falando um pouco sobre Autismo e Educação aqui em Londres

Nesta temporada morando aqui, entrei em contato com algumas pessoas que me contaram sobre o processo de inclusão das crianças com Autismo em Londres. Como solicitamos junto ao Department of Community and Children´s Services a Home Education para a Milena, não nos preocupamos em procurar uma escola. Desta forma, eu não consegui ver por mim mesma, o que significa na real a inclusão em Londres. Porém, esta semana, tive o privilégio de poder acompanhar uma amiga querida que está de mudança para cá, Andréa Werner Bonoli que dispensa apresentações. Pois é, a querida autora do blog Lagarta Vira Pupa, mãe do lindo Theo, está selecionando a escola pra este garotinho super especial.

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Amizade e aprendizado

Antes de contar sobre as visitas e tudo que vimos, quero falar um pouco sobre o quanto é emocionante ter uma rede de relações com as pessoas que tem autismo e com seus familiares ou profissionais. Tenho feito grandes amigos, virtuais, pessoais e sempre muito reais. Pessoas que passam a fazer parte da minha vida, crianças com as quais me preocupo, choro, sorrio, vibro e sobretudo, aprendo muito.

Navegando certo dia pelo blog: Estou Autista, das minhas queridas e competentes amigas Uberabenses Karluiza (Karla e Luiza são gêmeas, a gente junta elas no nome também), vi a referência a um blog novo, assim que li Lagarta Vira Pupa me lembrei da música do Cocoricó que Milena ouviu tanto e sorri ao ver que o nome tinha tido esta inspiração. Ao ler os primeiros textos me identifiquei imediatamente e adorei ver o quanto ele se tornava popular. Me tornei então uma fã, admirando esta mãe pela coragem em assumir posturas, dizer o que pensa sem ofender, sem afetação. A mensagem pela mensagem, compartilhando, expondo sua vida para divulgar o Autismo, para contribuir com sua experiência (meu objetivo também, guardadas as devidas proporções). Conheci-a em São Paulo, gostei de cara e pude revê-la aqui em Londres, adorei.

diferentecitacao2Convivendo com as diferenças: uma cultura antiga

Dizem os pais que ainda existe um longo caminho até chegar ao ponto ideal, mas a inclusão por aqui é de verdade, ou seja, não existe apenas para cumprir uma lei, não é algo feito por obrigação e sim, uma real tentativa de pessoas que acreditam que é preciso criar espaços de convivência comuns e de real respeito a todas as diferenças.

Desde a época dos romanos ( Londres é uma cidade milenar e esteve por um tempo sob domínio de Roma), eram enviados para cá pessoas de diferentes países que o império Romano conquistava, então temos aqui um caldeirão de misturas a que o Inglês está acostumado e talvez por isso, essa cultura de inclusão tão diferente. Claro que devem existir exceções, mas o que vemos em todos os lugares é um acolhimento real e carinhoso quando dizemos que somos estrangeiros. Falando nisso, quando digo que Milena tem Autismo é como dizer um palavra que transforma tudo, todos passam a agir para me auxiliar no que eu precisar.

A Inclusão por aquimilenatate2

Quando estamos nas ruas vemos muitas, muitas escolas com seus alunos na rua, nas praças, nos museus, nas galerias, etc. Educação aqui se faz muito na rua e nestes grupos, vemos crianças islâmicas, indianas, de outras nacionalidades, principalmente se a escola é pública (sim, aqui tem também uma elite que busca a escola particular como uma grife). É legal ver todas estas crianças diferentes juntas. Mas também tem escolas só de indianos, escolas de maioria negra, etc. Os pais, neste caso são livres para escolher.

Como já contei aqui, optamos pela educação em casa (home education) porque sabemos que agora que Milena está superando de vez suas dificuldades na fala, não seria legal conviver com as barreiras de outro idioma, principalmente porque, são oito meses apenas. Esta modalidade tem um acompanhamento e precisamos avisar sobre esta opção, por isso, recebi a visita de um comitê que veio me oferecer ajuda, para melhorar minhas estratégias e oferecer também a possibilidade de grupos de convivência para que Milena não se sinta tão sozinha. Eles foram tão acolhedores que eu fiquei encantada.

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Andréa falará sobre todas as visitas que fizemos (algumas pude acompanhar) no seu blog, eu vou falar um pouco sobre minhas observações e sobre a National Autistic Society – NAS. Vou tentar resumir para compartilhar com vocês um pouco do que embasou as conquistas de espaço para o Autismo que encontramos nas escolas.

mafaldaeducarExistem escolas específicas para Autistas, elas existem para aquelas crianças que sofrem no processo inclusivo (crianças com muita sensibilidade sensorial, ou casos de crianças com alto comprometimento) e são escolas fantásticas, com tudo apropriado para o universo autista e equipes altamente especializadas, todos os espaços pensados para as dificuldades da pessoa com Autismo. Esta escola segue o currículo comum nacional, mas adaptado totalmente para as pessoas com Autismo e trabalha para incluir quem puder na escola comum. Trabalha habilidades como utilizar o transporte público de forma independente, usar o banheiro, preparar seu alimento além dos conteúdos acadêmicos.

Existem outras escolas que atendem a crianças típicas e incluem crianças com deficiências e que tem um núcleo específico para autismo. Então é como um ensino especializado em uma escola comum. Nesta escola se o aluno está estressado, por exemplo, ele pode ser levado para uma sala onde algo sensorial será feito ate que ele se acalme e também, o ensino pode ser estruturado de forma diferente dos demais, embora o conteúdo seja comum.

Existem escolas que incluem crianças com dificuldades mais leves apenas, elas não possuem o tal centro para Autismo e isso dificulta um pouco o trabalho com nossas crianças, mas se forem encaminhadas pelo estado, serão recebidas de qualquer forma e um atendimento individualizado será providenciado.

Quem decide para qual tipo de escola a criança irá? Uma avaliação feita por uma equipe que ouve muito e considera muito a opinião dos pais, mas que também, é conduzida por especialistas da área, uma equipe do governo. Poderemos acompanhar este processo no blog da Andréa, pois nosso Theo irá fazer o tal processo chamado Statment e ela com certeza continuará compartilhando conosco com toda a gentileza e competência que lhe é característica.

O bom de tudo é a certeza que ficou de que este menininho incrível vai ser muito feliz aqui em Londres e a gente vai poder acompanhar seu progresso e aprender com suas experiências 🙂

Sobre a NAS – National Autistic Society

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O que é cultura? O que nos faz tomar determinados rumos na nossa vida de forma quase inconsciente, sem pensar muito, sem refletir muito, porque está impregnado no senso comum, aquilo que passamos a vida toda vendo as pessoas fazerem e que pra nós é natural. Isso pra mim define muito o que seja a cultura de um povo.

Aqui em Londres eu tenho visto com meus próprios olhos as pessoas fazerem cultura, quando vejo uma turma de crianças de cinco anos sentadas no chão da sala de uma galeria, tentando responder para a mediadora, porque sabem que é dia naquela pintura sendo que não estão vendo o sol? Ou se eles encontraram a borboleta na obra. Aquelas crianças olharão para um quadro, uma obra de arte, de forma diferente para o resto de suas vidas sem a superficialidade que muita gente tem quando observa tudo.

É de se espantar o quanto Londres foi pioneira em muitas coisas, para nós na nossa luta comum da causa azul, o pioneirismo dos pais daqui nos afetou diretamente. Em 1962 um grupo de pais se reuniu com o objetivo de divulgar o Autismo e conquistar mais direitos legais, mais espaço social. A primeira logomarca da NAS foi desenhada tendo a peça de quebra-cabeças em 1963, sabia disso?

Em épocas de “Mãe Geladeira” este grupo de pais foi à televisão, enfrentou preconceitos, encaminhou discussões a parlamentares, implementou campanhas publicitárias e fundou a primeira escola para pessoas com Autismo, tudo nos primeiros cinco anos de existência e se você quer saber um pouco de tudo o que fazem por aqui, vou colocar no final deste post um link que é enorme, mas que está traduzido, para você ver quão abrangente é esse trabalho.

Em 2009, após todos estes anos, uma lei específica para o Autismo foi aprovada na Inglaterra, a primeira lei que trata de uma deficiência em específico. Uma conquista muito recente, conseguida após intensa campanha da NAS.

Mas a NAS não é nenhuma salvadora da pátria do Autismo e ninguém fez nada sozinho por aqui. E com certeza houve muitas discussões, desavenças, opiniões contrárias, brigas dentro do grupo, mas que foram superadas e hoje, políticas são escritas por aqui pela sugestão desta organização que faz questão de chamar outras organizações de porte menor, mas não menos importantes, para participar de sua luta.

Ainda no curso de psicopedagogia, na minha pesquisa para minha monografia, me espantei com este pioneirismo destes pais e agora, vivendo aqui, vejo no TV, acompanho no site e no facebook e me encanto com o poder transformador de um grupo de pessoas que lutam juntas por uma causa, ainda mais uma causa tão legítima como o Autismo.

Por favor, não fiquem com a impressão de que tudo aqui é maravilhoso e tudo no Brasil é ruim, espero que meus leitores tenham a sensibilidade de não deduzir coisas não escritas aqui. Estamos construindo uma cultura no nosso país a cada dia, com exemplos, com ações e só precisamos cuidar muito bem deste broto, como diria Milton…

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Bom queridos visitantes, obrigada pela presença, pela partilha, pela leitura. Bom demais ter você como visita, de verdade! Que bom que o que escrevo de forma despretensiosa consegue chegar a pessoas que posso até não conhecer, mas que compartilham comigo por alguns minutos essas informações que dizem respeito à minha vida. Só uma palavra traduz um pouco do meu sentimento: OBRIGADA!

Clique aqui para que vocês visitem e vejam um pouco do mapa do site da NAS e o quanto eles fazem a diferença por aqui.

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