“Manda o Autismo embora?”
Vou contar para vocês sobre uma conversa que Milena teve comigo dia desses e que me emocionou muito. O fato de uma conversa iniciada por ela sempre me emociona, pois houve época de dúvidas se isso algum dia poderia acontecer. Primeiro a dificuldade na aquisição da fala, depois a comunicação feita em palavras soltas e aos poucos em frases desconexas, ou então ela apenas respondia a perguntas. A gente fez um trabalho diário para que aos poucos os diálogos tivessem ritmo, sequência, coerência.
Hoje em dia ainda temos dificuldades de comunicação. Tomada pela emoção, Milena perde às vezes o fio da meada na conversa com as pessoas e não consegue se engajar nas conversas com crianças da mesma faixa etária, mas em alguns momentos tudo ocorre na mais perfeita lógica e eu quase morro de emoção.
A conversa
Foi assim que ao entrarmos no carro dia destes, após a ginástica olímpica ela pergunta sobre um garotinho muito lindo que viu por lá chorando (ela se preocupa muito quando vê alguém chorando) e eu disse:
– Ele está bem, ele tem Autismo e não fala ainda, mas eu acho que ele está bem.
– O que é Autismo?
– É uma coisa que nasce com algumas pessoas e fazem elas funcionarem de um jeito diferente.
– “Milena” tem Autismo?
– Sim, você sabe que tem.
– Por que “ela” nasceu com Autismo?
– Não sei filha, eu não sei e ninguém ainda sabe por que isso acontece.
– Esse Autismo pode sarar? Manda este Autismo embora?!
– Não, filha, a gente ainda não consegue mandar embora o Autismo… Acontece que tudo bem ser diferente. Não tem gente que tem pele marrom e gente que tem pele branca? Não tem gente que é alto e gente que é baixinha? As pessoas são todas diferentes e você é linda, inteligente, amorosa e sua diferença é essa, você tem Autismo.
Naquele momento a conversa parou e eu percebi que era tudo por aquele momento, eu entendi que ela precisava de tempo para refletir. E eu para processar a emoção. Depois de um minutinho coloquei minha mão na mãozinha dela e falei:
– O mais importante é você saber que eu e papai vamos estar com você, e a gente vai te ajudar quando você precisar, porque a gente te ama muito. Não esquece disso, te amo, filha.
– Também te amo mãe.
Cuidei para não sentir pena, acho que piedade é uma virtude incrível, mas dó é terrível e não faz bem pra quem sente, muito menos para quem a “recebe”. Minha filha não é uma coitada, ela não precisa que eu fique com dó e ela vai espelhar a minha postura, se eu quero que seja natural pra ela, tem que ser natural pra mim.
Para ilustrar, eu me lembro que quando era pequena e passava férias na fazenda, eles diziam que eu não poderia estar presente quando fossem matar o frango do almoço. Segundo as pessoas que executam essa função, se alguém que está por perto tem dó o bicho demora a morrer, eu me escondia às vezes para não ver o “assassinato” do frango, mas ficava por perto morrendo de dó, até que ouvia alguém gritando: “tem alguém com dó por perto”. Estranho isso, não é?
Menos sofrimento, mais aceitação
O Autismo é uma condição que, por muitas vezes, traz desafios que são tão grandes quanto os de uma pessoa comum, em outras ocasiões são desafios muito maiores, para a pessoa e para a família. Nós que temos todo o equipamento físico funcionando como tem que ser, temos medo e insegurança diante dos desafios, imagine então quando se trata de alguém com fragilidades tão aparentes?
Eu tenho um casal de filhos típicos que são adultos, e eu me preocupo demais com os dois até hoje, porém eu sei que eles irão se dar muito bem e que “dão conta do recado” (isso significa que eles conseguem lidar com desafios).Sabendo disso, eu ainda me preocupo, imagina quanto não vou me preocupar com minha caçula? Ainda mais que com relação à Milena, sabemos que os desafios são diários e é claro, me preocupo muito mais, mas daí a sentir dó é uma distância grande!
Eu percebo que quanto maior for a minha aceitação das diferenças, menos eu sofro por minha filha ser diferente. Menos eu me envergonho quando ela em público tem uma crise de gritos e choro. Por isso o trabalho que faço começa comigo mesma de aceitar não só a diferença de raça, credo, orientação sexual, mas também a diferença de personalidades, a diferença de opiniões. Estes dois últimos itens, vamos combinar, não é fácil né?
Quero terminar deixando registrada minha alegria pelo trabalho lindo que a Prôfe Simone está fazendo com a Milena na escola. É diferente demais contar com alguém que chega te contando das conquistas da sua filha, antes de falar das dificuldades. Ela está muito mais ajustada agora. Fez toda a diferença na nossa vida, obrigada Simone! E claro, agradeço também à nossa fono querida, Ângela Matsdorf, e ao Joca, educador físico que faz o trabalho da ginástica olímpica, por todo o trabalho fantástico.
Hora de dizer tchau, arrependida de escrever tanto assim. Sempre acho que as pessoas não terão paciência de ler um texto tão longo, ainda mais falando da minha vida! Peço desculpas, mas falo muito, escrevo muito… triste isso! 🙂 Beijos a todos, obrigada sempre por sua companhia e pelo carinho dos emails e dos comentários.
PS: Estou postando o blog no dia do meu aniversário e Milena está dormindo – até agora – ao meu lado, ontem à noite, bem tarde ela perguntou cochichando: “já posso te dar parabéns? – Pode filha – “pábens”, te amo… Olha se não é de matar uma mãe de emoção?!!! 🙂
Que lindo!
Fico emocionada.Eu tenho um filho de 3 anos com autismo,um lindo,anjo azul..Mais ainda não consegui tratamento.Moramos no RJ e aqui é muito difícil,mas já fizemos a inscrição em uma escola de Itaboraí clínica escola para autista.Espero que essa vaga saia logo.Tenho Fé
Oi Narla
Obrigada por sua visita ao blog, muito obrigada por deixar seu comentário.
Que vocês consigam a vaga, que seu filho se desenvolva bastante e que você possa ter a alegria de ve-lo superando dificuldades e conquistando habilidades.
Um abraço carinhoso!