12 anos,  Maternidade,  Reflexões

Escalar fortalece

Eu tinha apenas dezessete anos quando entrei em um ônibus para ir morar em Belo Horizonte. A menina do interior que ia embora para casar tinha uma cabeça cheia de sonhos, ideais e nenhum juízo. Olhando pela janela minha mãe e meus irmãos acenando tchau, sentia meu coração ficar bem pequenininho, o documento de emancipação que eu tinha nas mãos não me emancipava da total dependência afetiva que eu naquela época não sabia dimensionar.

O primeiro desafio veio dentro do ônibus, uma senhora estava sentada no meu lugar, ela tinha comprado uma passagem para ir em pé (naquela época isso acontecia) e simplesmente sentou-se na minha poltrona e eu então viajei por oito horas em pé, me sentando às vezes no chão, junto a outros passageiros. Isso já era uma amostra do que estava por vir… e que bom que eu não sabia disso.

Fugindo pra longe do sofrimento

Milena tem doze anos e daqui alguns meses ela completará treze… com o tempo passando eu olho para ela e pensoduasagain no quanto temos que caminhar, para que ela seja mais autônoma. É quando uma montanha se desenha à medida que eu penso nas habilidades que ela precisa adquirir, olho para cima e a subida é muito forte e eu sei que vai exigir muito esforço, por isso olhar só para cima talvez não seja assim tão legal, pois se olho para baixo me motivo ao ver o quanto já escalamos desde que essa jornada começou.

Sofrimento. Como a gente instintivamente foge para longe de tudo o que nos faz sofrer e buscamos com todas as forças o que é prazeroso e fácil! Eu entendo isso, sei que é nossa natureza humana que nos faz reclamar do desconforto e buscar o melhor, isso move o desenvolvimento em todos os setores da vida. Mas eu entendo e aceito o meu sofrer, porém, o sofrimento de um filho é inaceitável e o instinto que me manda lutar contra ele é muito mais forte do que qualquer outro!

Eu não quero que meus filhos sofram, mas para meus filhos típicos eu dou um pequeno desconto ponderando que sofrer faz parte da vida e que também fortalece e aí eu lembro de mim mesma nesta jornada de amadurecimento precoce e sei, bem lá dentro de mim, que meus filhos têm um bom preparo e ficarão bem, eles também sabem que estou “por perto” e isso me traz certa paz.

Mas quando penso na Milena tudo muda! Dentro de mim o instinto protetor aflora como uma leoa que se vê ao lado da cria, tendo que protegê-la dos perigos da selva. Esta selva que é este mundo cheio de preconceitos e de exigências. E este mundo pede competência e determina padrões, o que faz meu coração se apequenar e doer dentro do meu peito. Preciso escapar destes sentimentos, afastar essa sensação que aprisiona e paralisa.

O único caminho? A montanha.

Por isso eu sigo ensinando a fechar o zíper e abotoar a camisa. Sigo acreditando que a minha filha vai superar cada uma de suas dificuldades, que ela vai sim aprender a entender as emoções e que vai também aprender a cozinhar. As habilidades que ela precisa adquirir parecem estar no topo da montanha e eu não posso me negar a continuar escalando.

São anos traduzindo o mundo para ela, traduzindo ela para ela mesma e apresentando ela ao mundo: “Vejam, esta é a minha filha, minha menina! Doce, terna, meiga e diferente. Vejam como ela é linda e como ela precisa apenas da sua disposição em compreender e aceitar o quão diferente uma pessoa pode ser”.

Acho que a menina que saiu de casa aquela noite para se casar na capital, não imaginava o quanto iria vencer, seus sonhos românticos a conduziram, mas ela jamais sonharia com a realidade de que a vida traz um sentido maior para cada experiência vivida. De certa forma, naquele momento eu começava uma subida que eu nem percebia, mas que me fizeram forte o suficiente para todo o percurso que ainda me aguarda.

A gente agora segue, não é momento de descansar.

0 0 vote
Article Rating

Quero que você saiba que não tenho a pretensão de apontar nenhum caminho nem ensinar nada. Tudo o que está escrito aqui tem a minha versão pessoal, baseada na minha própria vivência e que tem funcionado para mim e para minha filha.

Subscribe
Me envie notificações de
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments
Rosa Antônia dos Anjos
Rosa Antônia dos Anjos
9 anos atrás

emocionante e fortalecedor seu texto querida amiga.

adrianacristina08@hotmail.com
adrianacristina08@hotmail.com
9 anos atrás

Caminhando e semeando, no fim terás o que colher.
Cora Coralina

Valéria Freitas
9 anos atrás

Dizem, e eu acredito, que o pôr do sol do alto de qualquer montanha é inigualável. Também quero assistir. o/

Keyla
Keyla
9 anos atrás

Cris, é tão bom quando você escreve essas palavras de ânimo . Porque as vezes a caminhada está muito difícil, e nos deparamos com alguns obstáculos que pensamos que não somos capazes de superar. ..
Mais vou fazer como você disse: Não vou só olhar para cima ou só para frente. ..Mais vou olhar para baixo e para trás, para poder ver o quanto já superei e o quanto já conquistei…. Beijos e obrigada

Miriam Barletta
Miriam Barletta
9 anos atrás

Cristina minha caminhada ainda é pequena,pois meu neto tem 4 aninhos,mas penso como você.Me fortaleço com sua experiência e sempre que preciso de soluções pesquiso em seu blog para ajudar minha filha no desenvolvimento do Lucas.Agradeço sempre a Deus por pessoas como você existirem em minha vida e também peço a Ele que cuide de mim para que ainda tenha bastante tempo aqui na terra para ajudar este anjo que tanto amo a se tornar um ser mais independente.Um grande beijo em seu coração e no da Milena.