Imaginação Diferente
Nestes últimos dias temos tido a grata satisfação de ver Milena brincando de boneca. Como vocês podem ver nos relatos do blog ao longo destes quatro anos, os brinquedos dentre eles, as bonecas, não são atrativos para nossa garotinha, a não ser em um episódio ou outro em que ela imita as colegas. Mas não existe iniciativa para o brinquedo, ela não desenvolve nenhuma brincadeira por si mesma.
Mesmo quando o brinquedo está presente, ela não brinca sozinha, aliás, nem fica em um ambiente se está só, temos que estar junto o tempo todo, até no banheiro. Assim, quando está brincando de boneca, eu estou por perto e tenho que ser eu a dar a mamadeira, trocar a roupa, porém, se parte da vontade dela em brincar já é bom. Ela tem fixação em xixi e cocô, por isso tem ficado o tempo todo focada nas fraldas da boneca, quer checar se ela fez xixi e isso faz com que a “brincadeira” não se desenvolva.
A grande dificuldade das crianças com autismo, como todos sabem, é a imaginação além do comportamento e da comunicação. O grande lance é que imaginar é fundamental para o desenvolvimento do que se chama de “cérebro social”. Na imaginação vivenciamos possibilidades, lidamos com nossos medos, testamos nossas limitações, formamos o nosso potencial. Nesta dificuldade das crianças com autismo, existe uma variação de grau como em todo o espectro do autismo, há crianças que nem ensaiam imaginar e outras que imaginam com excesso e até misturam com a realidade o seu mundo imaginário. É claro que o assunto requer análises muito mais elaboradas, mas o que quero contar para vocês é apenas o que diz respeito à forma peculiar da minha Milena usar a imaginação.
Outro dia na casa da avó, ela e a priminha de três anos estavam brincando com panelinhas de brinquedo, a pequena fingia sem problemas, que estava fazendo comidinha e Milena acompanhava, mas pedia para colocar água na panelinha. Imaginar que água é comida para ela é fácil, mas imaginar que nada é comida não dá.
Com a boneca, nós brincamos que ela fez xixi, mas enquanto eu não molho de verdade a fralda descartável, ela não sossega e fica o tempo todo perguntando pelo cocô e por mais que eu diga que é de mentirinha, ela pede para ver o cocô. Eu disse a ela que o xixi da bonequinha só existe porque damos água na mamadeira, mas então ela faz de conta que está dando comida para a boneca e é uma comida imaginária, muito legal, porém em seguida ela abre a fralda da boneca e quer ver o cocô não se convence com um cocô imaginário.
É tão difícil explicar o que é faz de conta!
Eu quero muito proporcionar estes momentos com cada vez mais frequência, mas olha, não tem sido fácil, pois além de paciência para explicar, conduzir, há que ter muita criatividade para materializar conceitos abstratos e tornar o imaginário nem tão concreto que não deixe de ser imaginário, nem tão abstrato que dificulte esta vivência importante.
Geralmente me deparo com estes muros impedindo o desenvolvimento das estratégias de estimulação. No caso da boneca, se transformou em fixação e repetição, às vezes tentamos uma aproximação com crianças para que ela tenha oportunidade de interagir, o que ela adora, mas o resultado é frustrado com frequência, pois conforme a criança que trazemos, ela acaba interagindo com outra ou brincando sozinha e Milena fica de lado, em volta, “gravitando” por perto toda empolgada, mas sem participar efetivamente. Acaba ficando mais sozinha do que estava antes…
Mas no geral, esta semana, mesmo com toda a alteração de rotina proveniente da programação da copa, Milena está melhor, mais calma. Voltei a dar a ritalina na ida para a escola e se não chamarmos a atenção dela impondo limites daquele jeito que faz com que ela fique sem opções, ela tem estado bem mais tranquila. No mais, a linguagem cada vez mais rica e criativa, embora a pronúncia ainda esteja comprometida, tem progredido na clareza da articulação.
Hoje vejo que o progresso da minha filha é realmente muito lento se comparado a uma criança típica, mas tem sido bom perceber que aquela sensação de estar perdendo tempo com as terapias e demais atividades de sua agenda, não se justifica, pois ainda que apenas após três anos de natação ela esteja se movimentando na piscina com os critérios esperados, importa de fato que nós persistimos e que ela aprendeu, neste caso, o tempo realmente não é fundamental. Ou será que foi nossa ansiedade que mudou?
Vale a lição de que nenhum tempo é perdido e que embora a estimulação seja sempre fundamental, o desenvolvimento não depende apenas da estimulação, da terapia, ele se combina com o tempo interno da criança. Esta lição, para pais ansiosos ou para aqueles que trazem a palavra culpa como se fosse um sobrenome pode significar um grande alívio!
É isso. Um grande e forte abraço a todos, respondo aos comentários na própria janela de comentários, ok?