Entre o que ficou e o que está por vir
Este pretende ser um post mais curto, apenas quero compartilhar aqui um pouco sobre estes últimos dias de Londres com a Milena e suas reações diante de mais uma mudança após oito meses aqui.
Vocês sabem que fizemos um processo de Home Education, fomos acompanhados por uma equipe da área da educação da City of London que nos deram apoio, nos mostraram que estavam atentos e até elogiaram o modo como conduzimos a Milena neste período, fiquei muito lisonjeada e grata. Mas o ponto é: Milena ficou sem escola, sem terapias e por oito meses sem conviver com outras crianças.
Pois bem, foi ótimo, acho que depois de tantos anos fazendo terapias variadas e estando em escolas desde um ano e meio de idade, ela podia se dar este tempo. Ela mesma imprimiu uma rotina pra ela e isso foi muito legal e interessante. Fico vendo por aí as interpretações tortas a respeito de rotinas, com pessoas pensando em repetição de atividades, agenda engessada e robozinhos e por mais que se explique que não se trata disso, leio ou ouço equívocos sobre isso e fico bem triste, pois para muitas pessoas com autismo, não todos claro, uma certa organização de horários e a antecipação de atividades que estão por vir, acalma e torna possível uma organização interna que só faz bem. No início ela me fez improvisar agendas pra ela 🙂
Antecipação de rotina
Tudo o que permite que minha filha com Autismo suporte tantas mudanças, sendo algumas tão drásticas como mudar para outro país de língua e clima tão diferente, é justamente o fato dela saber que tem o controle do que vai acontecer no seu dia a dia. É um controle muito relativo, mas ela sabe que nada vai virar um bagunça imprevisível de uma hora pra outra. Assim, acostumada em ter uma agenda, quando viu que eu não faria uma aqui, ela mesma organizou uma agenda pra ela. Estabeleceu que de manhã ao acordar, vai fazer atividades educativas no iPad. Então ela acorda e me pede para olhar no relógio a hora que ela começa e vez em quando me pede para olhar no relógio e conferir se ela já está a tempo suficiente fazendo atividade.
Isso tem sido muito legal, porque é totalmente iniciativa dela, organizar o que vai acontecer. Então à noite quando ela vai dormir ela dá boa noite pro papai e diz: -bom trabalho papai, o pai agradece e ela retorna: – deseja boa atividade pra Milena e o pai tem que dizer: -boa atividade amanhã Milena. Quando o papai chega do trabalho ela vai contando: – Milena fez atividade muito bem hoje, papai e descreve as atividades que fez.
Eu continuo na posição de não poder ensinar, ela não me deixou ocupar este lugar da professora, da terapeuta e mesmo quando ela pede ajuda nas atividades eu tenho que conduzir de uma forma que ela não se sinta ensinada, se ela pergunta: você tá trabalhando com a Milena? É porque ela já está se incomodando com minha atuação e eu tenho que mudar de estratégia.
Vivemos muitos momentos de crise aqui na hora de sair de casa, claro, era sempre pra fazer atividades totalmente novas, conhecer lugares muito diferentes e não tinha como adiantar muito coisa pra ela. Além disso, tínhamos que colocar camadas de roupas e isso levava tempo, exigia que ela parasse o que estava fazendo. Agora, já não temos tanto problema pra sair de casa. Ela já sabe onde vamos e mesmo quando viajamos, ela já tem um esquema de mais ou menos como será.
Uma mocinha que sente saudade
Nestes últimos dias ela diz muito que não quer voltar, ela parece estar sentindo o mesmo que eu, muita saudade das pessoas, com vontade de voltar para ver todo mundo, mas quando ela pergunta se a gente não vai mais voltar aqui, ou quando falo que outras pessoas virão morar na nossa casa, ela pede pra ficar e diz que não quer voltar para o Brasil. Por isso ela está um pouco mais inquieta e desorganizada.
De tudo o que vivemos aqui fica o maior de todos os prêmios que eu poderia ter recebido, ver que minha filha está bem, que ela consegue do seu jeito todo lindo e especial, lidar com as mais diversas situações e permanecer equilibrada, tranquila. Ela é muito alta e agora já começa a parecer uma mocinha e ainda quer brincar com os pequenininhos e quer se balançar nos balanços dos pequenos e também não consegue perceber muitas vezes o que seja um comportamento adequado. Mas em compensação, ela se porta tão educadamente em situações que muito adulto inteligente perde a calma…
Eu fico com o coração gritando de alegria e orgulho em ver que conseguimos tanto. Por mais que o desafio esteja aí na nossa frente, sempre, nos obrigando a caminhar o tempo todo – isso não é bom? – a gente de vez em quando olha pra trás e adora constatar que andamos pra caramba e o mais importante, fizemos uma caminhada fantástica até aqui.
E quando constato tudo isso, aí é que me dá vontade de compartilhar, de contar, de encher de esperança o coração de quem começa esta jornada agora ou de quem está tendo dificuldades em seguir em frente. Não que o meu seja o seu caminho, não que eu saiba alguma coisa, não que eu consiga de fato contribuir, mas seu eu consegui vir até aqui e obter sucesso, quero muito que você saiba que você também é capaz!
Bom, mais um beijo grande, obrigada pela parceria sempre! O próximo post já escrevo do Brasil : )