Este período de vida que estamos vivendo merecia um livro, não um post
Talvez seja um pouco culpa do meu otimismo exagerado, o fato de eu não ter me preparado para as situações que tenho vivenciado ultimamente. Outro dia procurando no meu arquivo, textos que me dessem algumas diretrizes sobre a agressividade inusitada da minha mocinha, me deparei com um texto escrito por minha grande amiga Eliana, mãe de um lindo jovem que tem a Síndrome de Asperger, me espantei ao ver que ela descrevia há tanto tempo, com exatidão, tudo o que estou vivendo atualmente (trecho ao lado). Na época eu devo ter gostado do texto pois tive o trabalho de copiar e guardar, mas eu realmente não esperava que seria tão útil com a minha filha.
A verdade é que eu sempre acreditei que tudo o que fizemos, toda esta intensa rotina de terapias, a contribuição de grandes profissionais, dieta, abordagens diversas, fossem suficientes para me garantir um futuro sem grandes sobressaltos com minha pequena autista. Mas não, tudo o que estamos vivendo é comum, acontece com todos e eu de forma imatura, deixei de pensar sobre isso e talvez por isso eu esteja tão assustada.
Problemas de agressividade
Milena nunca foi agressiva e sempre conseguimos manejar seus comportamentos desafiadores, porém agora tem tido muitos problemas principalmente na escola. Pela primeira vez há queixas de agressividade e eu atribuo isso ao fato dela estar se percebendo diferente. Às vezes fico olhando de longe, vejo ela próxima das meninas de sua idade que conversam animadas, trocam olhares, cochicham, riem e ela ali sem entender, sem participar… Às vezes ela fala algo, as garotas nem lhe dão atenção (por mais que tenham paciência com ela) e ela segue as colegas aonde vão, sempre junto mas à margem, envolvimento comprometido pela dificuldade em falar direito e também por não saber o que dizer, esse jeito de funcionar tão diferente. Às vezes ela se queixa comigo: “porque ‘ela’ não tem amigas?“…
E eu não posso fazer nada a respeito… Ela não consegue acompanhar este nível de desenvolvimento, isso requer muito traquejo social, interpretação de ironias e piadinhas que Milena não está acostumada e por isso fica “boiando”. Isso faz com que ela fique estressada, defensiva e aí qualquer coisa vai detonar um impulso de raiva, de frustração. Ela então puxa o cabelo ou dá um tapa em alguém, depois se enche de arrependimento e se desorganiza completamente.
Manejo em casa
Em casa, como eu disse no outro post, consigo manejar. Se ela começa com gritos eu já estabeleci que ela vai gritar sozinha, por isso fecho a porta de onde ela está até que ela pare ou saio para fora de casa. Como ela tem pavor de ficar sozinha, basta que eu a lembre do nosso combinado e ela se controla. Se ela tenta bater eu ignoro e se fica muito nervosa e chorando, eu digo que estou bem, traduzo o que ela está sentindo, peço para ela respirar fundo e aí uso estratégias como fazer massagem, mudar de assunto ou redirecionar a sua atenção ‘conversando ‘ com algum objeto que ela gosta (olha a minha bolsa marrom, está bagunçada, vou brigar com ela) e na mesma hora ela abre um sorriso e vai aos poucos se organizando.Isso tem acontecido com frequência, e tem sido desencadeado por coisas que não aconteciam antes. Mudança de rotina está detonando crises, os limites que ela já tolerava mais, voltou para a “tolerância zero”… E todos os seus “autismos” estão mais intensos. Claro que penso em puberdade, em aumento de consciência das suas limitações, mas como disse outras vezes eu não esperava que fosse assim tão difícil.
O que tem me salvado nestas horas são os telefonemas para as avós, tias, irmã que moram em Minas (santo custo baixo de ligação) e ela falando horas ao celular fica mais calma.
Foco e atividades
Eu já não sei o que pensar sobre a escola neste momento da vida da Milena… É necessário que ela tenha como modelos crianças típicas, mas ela está sofrendo muito por destoar tanto e isso me deixa muito frustrada. Ela ainda não está lendo, não se interessa pelo conteúdo, só quer copiar roupas, sapatos, objetos escolares… Sinceramente estou bem descrente e muito perdida.
Nas duas colônias de férias que participou em Minas, ela ficou muito bem. Aproveitou, se engajou e conseguiu um bom desempenho nas atividades de forma geral, mas ficou muito mais à vontade na colônia FloorTime, onde convivia apenas com outras crianças especiais.
Estamos bem felizes também com o trabalho da nossa fono, que tem feito o papel de educadora, terapeuta e amiga. Milena no consultório lê, copia, aprende e mostra que é capaz e sobretudo, que quer aprender. Na ginástica olímpica tem ido muito bem e também quando está com as primas ou com as filhas de minhas amigas, não tem nenhum problema de convivência, se dá super bem com todos e todo mundo fica apaixonado pela Milena. É na escola com a falta de um adulto que a ajude a se regular, que interprete suas emoções e redirecione sua atenção que ela se desestrutura e o pior sofre muito com isso!
Um pouco de compreensão
Sei que não falta vontade da parte dos profissionais e seus colegas são muito queridos ao lidar com ela, apenas não conseguem suprir as demandas que o Autismo impõe de forma tão silenciosa. Costumo dizer que a deficiência física sempre mobiliza as pessoas, mas como o Autismo não aparece, as pessoas tendem a desconsiderar a dificuldade de comportamento e não percebem que é aí que a “deficiência” está e por isso precisa de compreensão.
Preciso terminar deixando enfatizado aqui que não gosto quando meu post soa assim tão negativo, acredito que sou lida por muitos pais em início de jornada nesta montanha russa do Autismo e não quero de modo algum que registrem esse teor negativo para seus futuros. Embora os imensos desafios que descrevo, toda noite antes de dormir, me deito com minha filha e percebo o tamanho da dádiva que é conviver com ela. Vejo o quanto ela extrai o melhor de todas as pessoas com quem convive e o quanto ela consegue fazer com que tudo fique mais bonito. Ela reza por pessoas que eu nem me lembrava mais, se lembra de quem está doente, deseja boa noite e bom trabalho espontaneamente para o pai, se lembra e se preocupa com todas as pessoas que passaram por sua vida, isso é muito incomum para uma garotinha de nove anos!
Ela é sim uma pessoa fantástica e mesmo que eu nem sempre saiba direito como conduzir a nossa vida da melhor maneira é ela que me impulsiona a prosseguir sem medo.
Obrigada pela partilha! Um grande abraço a todos!!!