A gente sempre conta o tempo como o agente que leva aos pouquinhos a vida, a juventude, os bons momentos. A gente corre contra o tempo, compra produtos contra a ação do tempo, combate seus efeitos nas coisas e adiciona sempre uma dose de tensão quando ouve que o tempo está passando.
Quando eu estava na frente da primeira especialista que avaliou a Milena quando ela ainda tinha 08 meses de idade, antes de falar que havia ali de fato um desenvolvimento alterado eu ouvi que o tempo me favorecia, pois o diagnóstico seria precoce.
Assim eu vi adicionado a todas as incertezas que aquele laudo trazia, a pressão sob meus ombros, a pressa, a necessidade de correr e sem direito a cometer erros. De mim dependia o futuro da minha filha, a sua vida nas minhas mãos… trêmulas, sua felicidade determinada pelas minhas escolhas.
Foi dessa forma que começou para mim a corrida para alcançar os tais marcos do desenvolvimento. Fui ler, estudar e obstinadamente estimulei, incentivei, convidei minha filha para o que me fizeram acreditar seria a diretriz para sua felicidade.
Nenhuma trajetória que se constrói com amor deve ser desmerecida. Durante estes 20 anos nós sempre nos orientamos pelo mais substancial amor por nossa filha. Entendemos, acolhemos, respeitamos. Jamais uma palavra de alguém teve importância maior do que a felicidade dela e talvez por isso, não carrego arrependimento ou culpa, porém o tempo com seu poder único, me faz hoje, ver as coisas pela lente da experiência e por ele o tempo, sou muito grata.
Hoje ao perceber que saber acadêmico só faz diferença se fizer sentido, que não é possível impor desenvolvimento a ninguém, que as angústias pelo que falta limita a alegria da conquista possível, só hoje pela passagem do tempo, consigo me libertar do peso e saborear o bem-estar que a leveza traz.
A Milena não se tornou quem eu esperava nas intermináveis horas das salas de espera das terapias e que bom que não! Soubesse eu quanta felicidade seria possível a alguém que sem ler fluentemente aos 20 anos, é tão competente e tão sábia eu talvez não tivesse chorado tanto com medo do tal futuro.
20 anos vivendo uma nova e maravilhosa jornada de desafios, objetivos frustrados e conquistas inimagináveis, uma felicidade que vai muito além do que é possível descrever em um texto. A mãe assustada carregando um bebê na sala daquele consultório, deveria ser capaz de ouvir que o tempo não significa nada porque ele passa, mas o amor que ela se sabia capaz, esse sim não seria apenas suficiente, seria fator a permanecer para sempre.
