Comportamento, uma linguagem difícil de ler


*Use fones de ouvido para escutar o áudio melhor.

O Autismo é um transtorno que faz jus a esta definição, ele realmente transtorna as nossas vidas, nos inunda de incertezas, nos mostra como somos frágeis e ao mesmo tempo revela uma força desconhecida até então. Vai levar tempo para aprendermos a nos adequar, mas vamos conseguir e, então, os desafios vão se renovar e nos exigir um pouco mais. Vamos crescendo, nos sentindo muito fortes depois de ver que vencemos mais uma etapa, mas nos sentindo fracos e impotentes quando estamos dentro da situação, esse é o pior momento.

Quando tudo se acalma, nossa admiração pela pessoa com Autismo cresce ainda mais. Afinal, é o autista o mais impactado, o mais forte, o que mais nos ensina. Ao final de mais uma etapa, por mais que a gente reconheça a beleza de ser aprendiz, não há como negar que esta palavra: transtorno, define nossas vidas em muitos momentos.

Se durante toda a vida o autista se vê em meio a turbilhões de emoções não verbalizadas, o que dirá na adolescência? Nós que estamos por perto e vivemos os nossos próprios turbilhões provocados, ou não, pelo transtorno, vamos lidar com o maior de todos os desafios que é ver a pessoa que amamos sofrer e usar o comportamento como fala para pedir ajuda e depender de nossa interpretação para conseguir ser ajudado. Como todos bem sabemos, comportamento é uma linguagem difícil de interpretar.

Ser diferente é ser gente

Enquanto o mundo repara, critica, tenta modificar este comportamento, as pessoas realmente orientadas pela empatia pensam no autista (não no Autismo), na situação (não nas pessoas em volta). Dessa forma, não buscam forçar o autista a caber na forma da normalidade, mas, sim, compreender, conduzir, facilitar sua vida o quanto for possível.

Há também aqueles que irão olhar tanto para si mesmos, para sua própria dor, e com certeza irão perder contato com o autista (e vão culpar apenas ao Autismo por isso).

Não estou negando a dor que vem junto, pois é certo que haverá lágrimas para partilhar, peso para dividir e o cansaço justo do cuidador que se doa em uma escala sem medida e precisa de cuidados para ser capaz de cuidar.
É claro que precisamos e merecemos pausas!!!

Mas que a gente nunca esqueça que enquanto os nossos sentidos se organizam depois do descanso merecido, a intensidade de emoções continua para o autista. Porque para ele, o Autismo não dá trégua.

Como esse blog trata da minha experiência, confesso o quanto já me perdi – e ainda me perco – o quanto troco as prioridades e perco o foco. Porém, até o momento tenho aprendido lições tão valiosas com minha filha. Mesmo sendo criticada por “romantizar o Autismo”, insisto em partilhar estas lições. O que para uns é romance, para outros é diferença e sempre: ser diferente é ser gente.

Os episódios dos Vômitos Funcionais continuam

Minha filha linda tem derramado lágrimas outra vez todos os dias pela manhã. O tal vômito cíclico alimentado por sua enorme ansiedade voltou a incomodar depois de uma trégua de mais de um mês. Como ela tem me ensinado nestes dias!!! E como eu a admiro por conseguir ser tão doce e tão persistente, apesar da adolescência, que faz com que ela se sinta uma pena ao vento levada sem saber para onde, cada vez que abre os olhos para um novo dia.

Não é a rotina que importa, mas saber como lidar com o que vem. Pelo menos saber o que vem, o que o dia reserva para ela, quais as atividades, quais os lugares, ter certa previsibilidade sobre o que os adultos programaram. E aí vou ler alguém comentar que o filho não sofre nada quando a rotina muda, quando viaja para um lugar desconhecido ou quando chega o primeiro dia de aula. Eu fico tão admirada porque penso na desumanização do indivíduo que tem Autismo. De repente é como se o autista fosse um ser humano à parte e dentro de mim cresce a indagação: “ele/ela não é afetado, ou não comunica o que sente?”

Além das aparências

Somos humanos e a singularidade é nossa maior marca. Mas mesmo que cada um de nós seja impactado de um jeito diferente, o primeiro dia de aula ou uma viagem vai nos afetar em algum nível. Uma mudança de casa, de cidade, vai tocar em alguma emoção, trazer ansiedade em alguma medida.

Por isso, quando vejo alguém dizer “ele/ela não percebe, não sente, não liga”, me nasce a dúvida não sobre o autista sentir ou não, entender ou não, perceber ou não. Mas sobre a capacidade das pessoas em olhar para além das aparências e ver que a comunicação chega na mudança de comportamento que pode vir antes ou bem depois do acontecimento em si.

Da pessoa autista ser gente como a gente eu nunca duvidei. Basta perguntar e esperar um pouco que a resposta vem. “Ele/ela tem dormido mal desde então”, “ele/ela tem tido episódios de agressividade”, “de repente (!) ele/ela começou a fazer coisas que nunca fez”. Aqui, no meu caso e da Milena, ela recomeçou a vomitar.

De mudança (de novo)

Vamos mudar, nosso landlord (proprietário) pediu o apartamento e estamos em plena fase de encaixotar de novo. Milena participou da escolha do novo lugar e já poderia estar acostumada. Vai ser a nona vez que ela se muda em quase quinze anos de vida. Mas ela não se acostumou e embora ela diga que está tudo bem, e aparentemente esteja levando tudo isso numa boa, eu sei quão ansiosa ela é. A ansiedade das coisas do dia a dia já a deixam carregada de estresse, imagina lidar com toda uma casa diferente! Uma casa não é só um lugar… É o mais importante deles, é onde a gente vive, onde a gente se recolhe, se acolhe. Para ela, o mundo todo vai mudar e ela me mostra isso com comportamentos desafiadores que faz o grau do Autismo ir lá para o ponteiro extremo.

Meu próprio turbilhão me dá parâmetros para compreender a minha filha. Viajar para um lugar novo me faz ficar sem dormir algumas noites e grandes mudanças me deixam (mais) estressada. Por isso eu entendo e tento acolher, apoiar, ancorar reafirmando para ela a cada dia aquilo que não muda nunca.

Filha, estamos aqui e estamos juntos, eu, você, papai. Vamos continuar acordando pela manhã e nos arrumando para o dia. Vamos ter nossos sábados de andanças e vamos ter nossas risadas. Vamos continuar nos desentendendo de vez em quando e vamos continuar a sentar juntos por alguns momentos, cada um com sua internet, desconectados de nós. Mas também vamos brincar e conversar como sempre. O filme do sábado à noite que você nos cobra, pode de vez em quando mudar de dia, mas escovar os dentes antes de dormir vai ser sempre o nosso ritual. E mesmo quando a mamãe virar estrela, o meu amor nunca vai deixar de te proteger, porque tudo muda, mas o céu continua lá em cima.

Que bom que isso te acalma um pouco. E que bom que até aqui tenho conseguido ler você além das aparências e te oferecer meu apoio incondicional. Me desculpa pelas inúmeras vezes em que eu não consigo.

Vamos juntas para mais uma mudança? Se você consegue eu consigo também.

Obrigada por confiar, obrigada filha por me ensinar!


Sobre a Síndrome do Vômito Cíclico (SVC) ou Vômito Funcional (Functional Vomiting)

A síndrome do vômito cíclico (SVC) é uma doença incomum que afeta crianças e adultos e é caracterizada por episódios recorrentes de náuseas e vômitos severos. Um episódio pode durar algumas horas até vários dias e é seguido por um período de tempo durante o qual indivíduos afetados estão livres de náuseas e vômitos severos. Alguns podem sentir sintomas mais leves entre os ataques. Este padrão alternativo de doenças e períodos sem doença distingue a síndrome do vômito cíclico de outras doenças gastrointestinais. Além disso, na síndrome do vômito cíclico, dentro de cada paciente os episódios são semelhantes entre si.

As náuseas e vômitos associados podem ser suficientemente graves para incapacitar o indivíduo que pode ser incapaz de caminhar ou conversar e/ou ser acamado. Os sintomas adicionais frequentemente presentes durante um episódio incluem tonturas, palidez da pele (palidez), falta de energia (apuramento), dor abdominal e dores de cabeça. Muitas vezes, a náusea é o sintoma mais perturbador, mais do que o vômito. Em alguns casos, à medida que as crianças envelhecem, elas superam estes episódios, mas muitos eventualmente desenvolvem enxaquecas. A síndrome do vômito cíclico pode afetar as crianças com mais frequência do que os adultos. A causa exata da síndrome do vômito cíclico é desconhecida.

A marca registrada da síndrome do vômito cíclico é episódios recorrentes de náuseas e vômitos severos. Nas crianças, esses episódios geralmente duram várias horas até alguns dias. Em adultos, os episódios tendem a ocorrer com menos frequência, mas geralmente duram mais por 8 dias. Estes episódios recorrentes e característicos são extremamente semelhantes em cada indivíduo, muitas vezes começando na mesma hora do dia, com a mesma gravidade, duração e sintomas associados, como nos episódios anteriores. Os episódios geralmente ocorrem no início da manhã ou após o despertar pela manhã. Os indivíduos afetados só podem experimentar episódios várias vezes por ano ou com tanta frequência quanto várias vezes ao mês. Depois de anos de ciclo, os episódios podem “unir” junto com náuseas diárias e vômitos leves entre ataques graves, de modo que não haverá período sem sintomas.

As náuseas e vômitos que caracterizam esses episódios são muitas vezes bastante graves. A náusea pode ser persistente e intensa. Ao contrário da maioria dos outros distúrbios gastrointestinais, o vômito no SVC normalmente não alivia a náusea. Os sintomas podem ser tão graves que os indivíduos afetados são incapazes de caminhar ou falar. Os episódios podem fazer com que os indivíduos afetados se retirem da interação social. O comportamento de beber água para diluir a bile e induzir o vômito e, portanto, reduzir a náusea é comum e não deve ser confundido com uma causa psicogênica. Mais comumente descrito em adultos, mas também ocorrem em crianças, muitos tomam banho ou banhos quentes prolongados para aliviar a náusea.

Sintomas adicionais podem ocorrer durante um episódio, incluindo palidez da pele (palidez), falta de energia (letargia), febre e baba. A emese geralmente é biliar (verde ou amarelo). O vômito repetitivo pode causar perda de líquidos vitais (desidratação). Os sintomas gastrointestinais, como dor abdominal severa, diarreia e vômito (amordaçando) não são incomuns. Os indivíduos afetados têm um apetite reduzido e a perda de peso pode ocorrer. Alguns indivíduos podem exibir uma variedade de sintomas neurológicos tipo enxaqueca, incluindo dores de cabeça, sensibilidade anormal à luz (fotofobia), aumento da sensibilidade ao som (fonofobia) e tonturas ou vertigem.

Muitos indivíduos afetados podem identificar um evento precipitante ou “desencadeante” que desencadeia um episódio de vômito. Em crianças, o estresse é o mais gatilho, mais comum de excitação (aniversários, férias) do que o estresse negativo. Os desencadeantes adicionais incluem infecção, certos alimentos, como glutamato monossódico, chocolate ou queijo, exaustão física, falta de sono, doença de movimento e frentes meteorológicas. Em adolescentes e mulheres, a menstruação pode desencadear um episódio. Muitos adultos com síndrome do vômito cíclico são propensos a ataques de ansiedade ou pânico, que podem desencadear episódios.

Causas

A causa exata da síndrome do vômito cíclico é desconhecida. Embora a náusea e o vômito sejam as principais características da síndrome do vômito cíclico, os pesquisadores acreditam agora que o órgão primário afetado é o cérebro e que os sintomas do distúrbio se desenvolvem devido a anormalidades na interação normal entre o cérebro e o intestino (transtorno do cérebro-intestino).

Embora a causa específica da síndrome do vômito cíclico seja desconhecida, é provável que haja várias causas contributivas. Os pesquisadores encontraram um forte relacionamento entre SVC e enxaquecas, e alguns teorizam que SVC é ​​uma variante de enxaqueca. A maioria das crianças com SVC possui antecedentes familiares de enxaqueca ou possui enxaquecas.

Tradução livre. Fonte: National Organization of Rare Disorders

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Carmen
Carmen
6 anos atrás

Fausta, desejo que esta fase passe logo! Aqui em casa o fato da Maria Clara entender as mudanças de rotina não impedem o aumento da ansiedade e das crises de frustração, que refletem no comportamento que as vezes acontece tempos depois. Forte Abraço!

Luzia Versuti
Luzia Versuti
6 anos atrás

Desejo que tudo se encaixe novamente Fausta!! Que possamos seguir aprendendo e ensinando nossas pequenas .Beijos Paz e Luz!!!

Juliana
Juliana
6 anos atrás

Fausta querida, sigo vcs e vejo o qto é batalhadora e preocupada com a Mi (óbvio)…mas em meio a esse turbilhão, o amor supera tudo…ele cura a dor, cura o ferido, cura o tempo…enfim, o que não falta na vida da Mi!!! Uma mãe cheia de amor!!!! Colocarei vcs em minhas orações…e logo estará postando dias felizes e alegres na nova casa ❤

Andreia Greco
Andreia Greco
6 anos atrás

Fico imaginando a angustia de ambas nesses momentos.Desejo do fundo do coração que ela consiga reestabelecer o equilíbrio, que essas crises cessem e que seu coração se acalme. Força queridas! Estarei vibrando por vcs.

Jeanine
Jeanine
5 anos atrás

Obrigada por este artigo. Meu filho de 8 anos tem apresentado crises de vômitos e dores de cabeca. Tenho observado que elas temn aparecido com mais frequência e por isso deixei de pensar que eram somente viroses. Quando era menor e não tínhamos ainda o diagnóstico ele sempre vomitava quando saíamos. Depois entendemos os motivos do vômito… Mas tem voltado esses episódios apesar de toda a evolução que apresenta após o diagnóstico.Tenho pensado muito que pode ser emocional, sensorial… converso com ele sobre suas emoções.. suas ansiedades… continuarei observando essa situação. a Aqui encontrei uma resposta e algo a mais… Leia mais »

Pamela Shiwa
Pamela Shiwa
3 anos atrás
Reply to  Jeanine

Minha filha tem síndrome de vomitos cíclicos e apresenta algumas características autista, porém foi descartada a última. A svc é a condição severa de vomitos de muito difícil controle, temos um grupo no whatsapp pra relatos e ajuda.