Com o Autismo na bagagem é sempre tempo de aprender


*Use fones de ouvido para escutar o áudio melhor.

Embora eu seja um pouco resistente atualmente em escrever os simples relatos da nossa vida aqui no blog (acho desinteressante), eu quero contar um pouco sobre como foram as nossas férias de verão no Brasil. Acho que posso compartilhar boas lições vindo de tudo o que vivemos.

Começamos com os dois meses que antecederam nossa ida e os episódios de vômito que me tiraram a paz. Milena foi para hospital, tomou dois antibióticos e nada de melhorar. A viagem de ida foi ruim, pois não conseguimos dormir com ela passando mal no avião. Depois que chegou, ficou mais de 24 horas sem comer absolutamente nada.

Ao final deste texto, vou colocar um complemento contando tudo sobre isso para aquelas pessoas que tiverem um caso assim na família ou para quem quiser saber mais a respeito do que foi ao final diagnosticado como Vômito Funcional. Pois bem, depois de todo o sufoco deste episódio que se estende até hoje, pudemos acomodar mais este pesinho na nossa bagagem e aproveitar melhor a nossa viagem.

Autismo = isolamento – MITO

A Milena sempre foi uma garotinha sociável, contrariando o mito do autista isolado em seu próprio mundo. Isso confundiu muito o diagnóstico dela e fez grandes nomes do Autismo no Brasil errarem seus laudos. Ela ama estar entre as pessoas e se você não olhar atentamente vai achar que ela está interagindo perfeitamente.

Na verdade, a interação é muito boa, mas perde em qualidade porque a Mi não consegue sustentar um diálogo. Ela capta muitos detalhes que a gente nem percebe e a memória dela é fantástica. Porém, ela não usa estes dados da memória para enriquecer a fala dela. A gente só descobre por acaso que ela lembra de certos fatos com minúcia de detalhes.

O fato é que ela absorve e percebe tudo. Até quando alguém está preocupado e ninguém mais percebeu, ela vai notar. Mas dialogar com ritmo, alternando perguntas, desenvolvendo um assunto como as meninas e meninos da idade dela esperam, isso ela não consegue ainda fazer. Ela vai ficar brincando, vai falar a mesma coisa várias vezes e vai espantar as crianças e adultos que não conseguirem entender este padrão diferente de comunicação…

Ainda assim ela curte aos montes ficar por perto e, ao contrário da mãe, adora uma festa, uma reunião, um jantar.

Por isso, o mais marcante da viagem foi ver a alegria dela em estar junto com as pessoas que ela ama tanto. Toda a família faz as vontades desta mocinha e ela se sente “podendo” tudo.

Um dos principais motivos que nos levaram ao Brasil em agosto foi o casamento da tia Lily… Liana foi a terapeuta da Milena por muito tempo e fez um vínculo ao qual sou grata e me orgulho. Tenho vídeos no YouTube com elas trabalhando. A Mi foi dama de honra e ficou linda! Ela tem se sentido tão competente que nem ficou nervosa. Na hora de levar as alianças ao altar ela me pediu: “agora você pode me deixar que eu vou sozinha”. Com medo de eu aparecer diante dos convidados quando a cortina se abrisse. E posso afirmar sem medo de parecer pretensiosa: ela foi um dos pontos altos da festa e quando as pessoas vinham elogiar seu vestido ela respondia: “é alugado” :]

Também fomos a Uberaba ver a família do papai. Milena amou estar com seus melhores amigos no universo: Tio Gilvan e Tia Flora, a quem somos eternamente gratos pela amizade e apoio diário à nossa garotinha. Nossa vida seria muito diferente sem a presença destes dois. Junte a isso o amor da madrinha, dos avós, tios, prima e pronto, Milena parecia estar no céu. E o encontro com nossas amigas de longa data Karla e Luiza do blog Estou Autista, acompanhadas da Eliana, sua mãe do famosíssimo e querido Luiz Júnior!!! Foram dias de abastecimento de amor!

Palestrei em Uberaba, bem como palestrei na minha cidade, Uberlândia. Depois seguimos para Porto Alegre onde, além de dividir espaço palestrando com minha amiga de alma Andréa Werner, revi minha preciosa equipe do Instituto Autismo & Vida, Milena reviu a Julia Santos, sua amiga e “anjo” durante o último período da escola e também reviu colegas da escola IMA.

A propósito, minha última palestra em Porto Alegre resultou em um material que estará disponibilizada aqui em breve, em forma de revista eletrônica na aba: Inclusão. Aguardem!

Como ficamos diante da falta de rotina?

Eu pude perceber nesta viagem o quanto a falta de rotina desorganiza a mim mesma (!). Por ter sido mais de um mês fora de casa, preciso dizer que particularmente me perturba não ter a minha casa e não saber onde estão os garfos ou onde guardam o sal… Eu adorei, AMEI, rever e compartilhar tempo com tanta gente incrível e principalmente passar tempo com minha neta e meus filhotes, mas posso dizer que senti na pele o que é ter Autismo.

Isso foi muito forte em meu primeiro dia em Porto Alegre. Precisei tomar um xarope para tosse, pois fiquei doente por uma semana com uma gripe forte e sinusite e não estava conseguindo sequer conversar. Pois bem, o xarope me trouxe um torpor que me desorganizou sensorialmente e eu fiquei muito autista e sei disso por ter lido e ouvido de outros autistas tantas vezes a mesma descrição do que eu senti e gente… É horrível!!! Tudo que eu queria era impacto no corpo, queria compressão assim como a Milena quando me pede para “másgar” (esmagar, apertar) ela. Eu fiquei agoniada, me sentindo sem lugar… Acho que é como consigo descrever e por mais que “nada” tivesse acontecido fora do esperado eu me desorientei, fiquei irritada, qualquer coisa me tirava do sério, fiquei impulsiva. Mas controlei tudo e acho que ninguém percebeu, isso durou umas oito horas, me sugou toda a energia e me ensinou muito. Como a minha filha é guerreira! Como ela luta com sensações assim, quase todos os dias?!

De agora em diante, quando eu vir uma pessoa com Autismo em crise, vou poder entender muito mais.

Como sou super sensível a medicamentos, este xarope pela manhã em jejum conseguiu fazer este estrago. Mas foi uma fonte importante de vivência para me trazer a possibilidade da empatia, afinal, só posso me colocar no lugar de alguém realmente se eu souber o que é vivenciar o que a outra pessoa vivencia. Ao contrário não é empatia, é mera suposição…

A Milena ficou bem sustentada pela homeopatia da tia Maria Helena, outra pessoa que está na vida da Mi desde sempre. Ela se desorganizava chorosa ao final do dia e me perguntava seguidamente sobre a nossa agenda. O que eu fazia era ancorar com as coisas que eu sabia que iriam acontecer, como almoço, banho, hora de dormir, minha companhia ao seu lado e sempre emendava: “daqui alguns dias vamos estar na nossa casa”. O Furby também foi usado com abundância, acho que isso é o que chamam de usar o objeto de fixação a seu favor. Como foi útil!

Passando o controle para a Mi

O que importa é que no geral tudo correu bem. Eu estou aqui na direção desta coisa chamada Autismo que transforma a vida da minha filha em uma pista muito escorregadia que qualquer coisa desestabiliza e faz sofrer. É assim para nós. Embora eu saiba que muita gente consiga viver muito bem com o Autismo, preciso dizer que é um constante desafio pra gente. Eu não reclamo de enfrentar, nem faço drama. Porém exige de mim braços fortes para controlar essa direção que se perde facilmente.

O emocional da Milena ficou na berlinda. Toda a viagem eu fui lendo ela muito atenta. Antecipando a desorganização e aproveitando cada acontecimento para ensinar a ela que a vida é assim e cabe a ela se organizar.

Estou gradativamente passando o controle para ela. Tem sido muito complicado e eu tenho que descrever exaustivamente todas as situações, as reações dela (você está triste, você está cansada, você está ansiosa), as reações das outras pessoas e as possíveis consequência diante de cada comportamento e de cada escolha que fazemos.

Quem nos vê juntas vai atestar isso. Estou ligada dizendo a ela a dinâmica social que está fervilhando em volta e ela começa a dar sinais de que está aprendendo. Vou falar mais sobre isso nos próximos posts, quem sabe não seja útil a alguém mais.

De tradutora do mundo para minha filha, passando por intérprete da minha filha para o mundo, hoje sou seus olhos a enxergar as chaves que escapam a ela, e que são tão importantes para ela se virar sozinha no futuro que eu temo, mas que há de chegar um dia. Será que vou dar conta? Espero que sim. Custei a fazer que ela entendesse que estou aqui para o que der e vier. Que somos quase uma pessoa só… Agora é hora de separar e deixar que a individualidade dela tome conta. Um passo de cada vez e vamos conseguir mais essa, eu sei que vamos!

Sobre o episódio dos Vômitos Funcionais

Depois deste texto longo me sobra pouca energia para seguir escrevendo. Mas vou tentar ser minuciosa pois recebi muitas mensagens de gente dizendo ter vivido experiências semelhantes.

A Milena acordou um dia dizendo estar enjoada. Achei que era algo que ela comeu e ela foi para a escola, deve ter passado bem mal no transporte, pois pelas próximas duas semanas me pedia para levar ela de metrô, embora não tivesse problemas para voltar para casa no transporte. Ou seja, ela ficou traumatizada com este primeiro dia.

Quando voltou para casa, começou um ciclo de vômitos que durou quase cinco dias. Levei ela ao médico, mas ela não deixou a médica examinar, ela só receitou soro oral e voltamos para dias depois pararmos no hospital. Foi péssimo pois a Mi odeia ver alguém chorando ou passando mal, ela fechava os olhos na emergência, uma sala linda e confortável na ala infantil mas com umas cinco crianças esperando junto com ela.

A médica foi atenciosa e paciente. Demoramos quarenta minutos para conseguir uma amostra de xixi e saímos com a suspeita de infecção de urina, primeiro antibiótico e ela melhorou finalmente. Nesta altura eu já estava dando homeopatia, mas não acertamos o remédio e também já estava em contato com a nossa pediatra no Brasil. Eu suspeitava de uma inflamação no trato gastrointestinal. Após dois dias de antibiótico, o vômito voltou e quatro dias depois fomos a outro médico que fez outro exame de urina. Enquanto não ficava pronta a cultura ela tomou remédio para gastrite… Nada de melhora e a mãe já estava muito preocupada.

Fora das crises de vômito Milena estava ótima. Apenas nos primeiros dias ela ficou apática, depois ela ficava muito mal durante as crises, quando eu digo muito eu realmente não exagero, mas depois que passava ela voltava a ficar bem.

Quando o segundo teste ficou pronto, o resultado foi positivo para infecção de urina. Ela tomou um antibiótico ainda mais forte. Mesma coisa, melhorou por dois dias e os vômitos voltaram. Depois disso a minha amiga Claudia Marcelino sugeriu uma falta de vitaminas devido ao crescimento e ela melhorou de novo e voltou a se alimentar, mas novamente começou a passar mal justamente no avião na ida para o Brasil.

Tia Nadia, médica da Mi desde antes de nascer!

Quando chegamos fomos direto ver nossa médica e amiga Dra. Nadia que nos encaminhou para uma clínica para tentarmos uma endoscopia. Ela orientou a eles que dessem um comprimido para induzir o sono. Assim a Milena se acalmaria para tomar a anestesia. Conversei previamente, arranjamos para que o laboratório aproveitasse e colhesse sangue para os exames e também fosse feita a ultrassonografia, ou seja a gente ia aproveitar a sedação para fazer o que precisasse. Ao ver a Milena tão linda e comportada a equipe não achou necessário o comprimido. Tentaram sedar a Mi com gás ou com injeção, mas nem mesmo cinco pessoas foram suficientes para convencê-la embora a gente tenha ficado uma hora tentando. Ninguém queria forçar ela e o exame acabou sendo suspenso, com a proposta de internar e levar a Mi para o centro cirúrgico onde eles poderiam ter mais controle com o processo de sedação prévia…

Eu acabei não concordando com este procedimento a nível hospitalar e como sempre tive o apoio da minha amiga que é na verdade a pediatra da Mi desde quando ela estava na barriga (minha primeira consulta na pediatra fiz ainda grávida). Não era certo que este procedimento traumático traria uma resposta, pois os sintomas não pareciam indicar algo gástrico e condiziam mais com algo emocional. Resolvi arriscar abordagens que considerassem este aspecto primeiramente.

Milena está agora sob tratamento homeopático. Ela continua vomitando ocasionalmente, sempre pelas manhãs. Eu mostro a ela os pontos de tensão, quando ela começa a ficar nervosa, conto a ela o que possivelmente vai acontecer e ela agora começa a perceber que precisa se acalmar.

Milena docemente me pede para ajudá-la quando a situação exige mais do que ela pode dar. Ela já me pediu ajuda para brincar, para ajudar a conversar e eu adoro que ela conte comigo. Me sinto um pouco responsável como se meu papel fosse proteger ela do mundo. Isso pode ser ruim para ela, uma vez que ela precisa por si mesma se fortalecer e aprender a lidar com a dificuldade, principalmente agora que está se tornando uma mocinha. Esse vai ser o maior desafio. Maior do que o vômito funcional ou qualquer outro que tenhamos enfrentado.

Por fim, ela tem receita de Abilify para controlar a ansiedade que é a raiz do problema do vômito. Eu vou dar se for a única coisa que eu preciso fazer pra ela ficar bem. Por enquanto estou tentando lidar com a homeopatia e tem funcionado bem. Hoje ela ficou bem feliz e anunciou para o papai que não vomitou. Eu espero sinceramente que seja o início do tempo em que vamos deixar essa coisa dos vômitos para trás. Mas, se não for, a gente carrega esse diagnóstico junto com a vida linda que nós construímos a cada dia.

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Ânara
Ânara
6 anos atrás

Lindalva Milena! Espero que os vômitos passem logo.
Aqui também tem um menininho que adora gente, festas e uma boa bagunça!

Andreia Greco
Andreia Greco
6 anos atrás

Nossa quanto tempo! Saudades de vcs. Senti falta das suas postagens e de notícias da Milena.
Que bom que estão de volta e que ela está melhor. Ficou lindíssima de dama de honra
Mais uma vez obrigada por compartilhar conosco as experiências de vcs.
Um beijo no coração das duas.

Cristine
Cristine
6 anos atrás

acredito que você tenha tido uma reação extrapiramidal causada por medicação, eu tive duas vezes com dramin e plasil então evito esses remédios a qualquer custo. demorei anos para descobrir o que era e realmente é essa sensação de desordem sensorial, necessidade de estímulo físico, uma coisa bem doida mesmo difícil de explicar. bjs

Naira
6 anos atrás

Texto lindo ! Verdadeiro e esclarecedor, parabéns !

Mariana
Mariana
6 anos atrás

Saudades de suas postagens Fausta. Texto lindo e esclarecedor, como sempre. Espero que realmente a Mi tenha melhorado, com a volta para Londres . Beijos em vocês .

Márcia Dias
Márcia Dias
6 anos atrás

Oi Cris, a Milena estava linda no casamento. Parecia uma princesa!!!!! Que bom que ela melhorou e você está de parabéns por toda sua sensibilidade para ajudar sua filha quando ela precisa. Você sabe a hora certa e como agir para que o desconforto dela acabe. Acredito que aos poucos vamos aprendendo a lidar com esses desafios e claro acompanhar você, Milena, Andréa e Théo contribui muito para esse aprendizado. Bjs carinhosos!!!!

cecilia
cecilia
5 anos atrás

Oi Fausta e Milena comecei a acompanhar o blog a pouco tempo e espero que estejam bem. A Milena estava linda !! parecia uma princesa de conto de fadas, parabéns !
Tenho um gurizinho e acho pelo que tu relatou ele pode ter uma diarreia funcional. vou averiguar melhor. Obrigado por dividir tuas vivencias pois tem me ajudado muito e escutar a tua voz dá uma sensação de conforto muito grande, ainda mais neste mundo com tão pouca sensibilidade para com nossos filhos. um grande abraço,