Pequenos milagres diários


*Use fones para melhor escutar o áudio.

Hoje assisti a uma entrevista tocante em um programa de notícias matinal. Tratava-se do trabalho de uma organização que cuida de famílias que receberam um diagnóstico terminal. Eles ajudam a família a passar um tempo de mais qualidade com a pessoa que está partindo, para que eles tenham boas memórias e vivam a difícil experiência de se despedir de um ente querido da maneira mais digna e leve possível.

Trouxeram para o programa uma mãe que se despediu há um ano atrás da filha que teve um tumor inoperável no cérebro. A mulher estava acompanhada da sua filha caçula de oito anos. As duas falaram sobre a dor, sobre a saudade, sobre os últimos meses que passaram juntas e sobre como essa ONG apoiou a sua família dando um salário para a mãe poder se preocupar apenas em curtir os últimos momentos com a filha.

Ontem à noite, eu estava conversando com uma querida amiga e ela me falava amargurada do que tem passado com a filha de onze anos. Vocês sabem, entrada na adolescência, rebeldia que surge de repente, contestação a tudo, quarto desarrumado, portas batidas…

Eu justamente dizia para a minha amiga que ela se preparasse para esta fase que é, sim, muito chata e nos deixa a todos nervosos. Mas sugeri que ela tentasse viver isso com a maior leveza possível sem colocar tanto peso. Pois isso não é nada mais que uma fase que a gente sabe que passa. Por mais que essa fase seja chata e difícil, o foco principal não pode fugir da nossa frente: significa que seu filho ou filha está bem, se desenvolvendo como esperado. Está saudável, está crescendo.

Não se trata de ignorar malcriações, não se trata de negligenciar o papel da educação. Nada disso. Trata-se apenas de buscar, mesmo em situações difíceis, não adicionar peso ao que estamos vivendo ao olhar só para o que chamamos de problema e reforçar o lado ruim com queixas, reclamações e cobranças em excesso.

Pois bem, voltando à entrevista na rede BBC, eu ouvi justamente a mãe dizendo que sentia muitas saudades da filha (quem consegue não chorar junto?) e que sentia falta até mesmo da rebeldia, da desobediência. Porque no final do dia, independente do que acontecesse, ela podia ir até a cama da filha, dar um beijo de boa noite e terminar um dia ruim da forma mais perfeita possível.

Quantas vezes nós nos perdemos nas dificuldades tão comuns à vida de todos e esquecemos de olhar em volta? Quantas vezes com a cabeça carregada de preocupações nós não deixamos de curtir os momentos únicos deste milagre que chamamos vida e que fariam memórias deliciosas para um futuro sobre o qual sabemos tão pouco?

Quantas vezes com receio deste futuro desconhecido meio que esquecemos que a vida passa de qualquer jeito, deixando saudades até mesmo dos tais momentos ruins? Assim o dia passa, as risadas são esquecidas, o carinho é negado e a pressa permitida… Só que correria, mal humor ou a pena que sentimos de nós mesmos não nos trazem nenhum ganho e ainda impedem a memória de registrar os pequenos milagres diários.

Logo mais, no vazio que resta ao final de toda jornada de queixas, iremos lamentar a falta de tempo ou iremos nos ocupar de distrações para não pensar em tudo o que temos deixado se perder.

E vamos encontrar culpados para o que é fruto da cor de lente que escolhemos para ver a vida. Os dramas existem e os problemas também. Mas alguns deles não merecem o valor que damos e não devem nos sugar em demasia.

Vida leve

Não deixe que a felicidade só se mostre a você nas fotos ou na parede das suas memórias. Afinal, a saudade diante da foto do encontro de família esconde a lembrança dos conflitos que aconteceram neste encontro. Mas este mesmo dia estampado na foto revela que, apesar de tudo, aquele foi um dia memorável, que passou como também passaram os problemas que você carregava.

Nunca é fácil e nem sempre é possível, porém, todas as minhas perdas, a dor, os traumas, fizeram a musculatura para que em muitos momentos não tão bons eu consiga virar a minha cabeça e olhar o outro lado. Às vezes. o esforço é gigante, mas não se compara ao tamanho da dor de alguém que, perdendo quem ama, tenha que lamentar não ter aproveitado o tempo que tiveram juntos.

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Sandra Mourão
Sandra Mourão
7 anos atrás

Olhos marejando…. como sempre você toca fundo o coração da gente!
Beijos querida!

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[…] O texto que se segue não é meu. É de uma mulher, educadora e mãe que se chama Fausta Cristina. Ela tem um filho e duas filhas. Uma das meninas tem autismo. Peguei algumas partes do texto que ela escreveu porque achei que tem tudo a ver com o que estamos conversando aqui (as partes entre parêntesis são comentários meus). Ele é um pouco longo mas acho que vale a leitura. Quem quiser ler o texto na íntegra é só clicar http://mundodami.com/2017/03/21/pequenos-milagres-diarios/ […]

Neusa
Neusa
7 anos atrás

Eu amo vocês

jailda
7 anos atrás

Fico muito feliz em decobrir pessoas alegres,diferentes na maneira de encarar o autismo.Estou sempre aberta e em busca de novas experiências,que posssa ajudar meu bebê de três aninhos.
Parabéns por esse blog e, principalmente das experiências colocadas,informações…
Grata, Jailda.

Ânara
Ânara
6 anos atrás

Ahhh você! Sempre sábia! Esse texto parece que escreveu pra mim!
Obrigada!

Michelle Moraes
Michelle Moraes
6 anos atrás

Você é incrível Cris!!! Agradeço tanto, tanto, tanto por você existir!!!

Arminda Lucena
6 anos atrás

Amei seu site muito parabéns.

Marcia
4 anos atrás

Muito bom amei parabéns