Sobre essa coisa de ser feliz

Estou sempre recebendo, por email ou pela página do Facebook,  mensagens de mães que me procuram para conversar. Tenho amigos de anos que vieram por esta via virtual e me sinto imensamente honrada em ser alvo da confiança destas pessoas que compartilham muitas vezes, suas angustias e momentos tão difíceis como quando estão investigando ou acabaram de descobrir o Autismo em seus filhos.

Geralmente eu fico sem saber o que dizer. Com o desejo imenso e intenso de ajudar, acolher, amenizar as preocupações. Vontade de ter todas as respostas. Muitas vezes eu nem consigo saber o que estas pessoas realmente esperam de mim, mas em alguns casos eu sei que bem lá no fundo todos nós gostaríamos de encontrar alguém que nos dissesse: – Ok, você veio ao lugar certo. Seu filho será um adulto feliz e independente, agora vamos no passo a passo para fazer isso acontecer: você vai procurar este médico, vai fazer esta e esta terapia e tudo será resolvido.

Já pensou que glória seria você ser portadora deste tipo de receita mágica? Mas não é bem assim que acontece, evidentemente.

A descoberta do Autismo ou de uma doença, a constatação de uma deficiência qualquer nos fragiliza tanto, justamente porque nossas concepções de felicidade, de dignidade estão baseadas na autonomia e na liberdade.  A questão é que quando vemos o futuro de um filho abalado por um fantasma que diz que ele não vai ser capaz de se virar sozinho quando for adulto, isso absolutamente nos tira o chão.

Mas a verdade é que há muita vida por trás desse túnel escuro e amedrontador que se abriu na sua vida (e em minha via também, há algum tempo atrás), há muito movimento e muitas, muitas surpresas boas. Preciso confessar que não é fácil e aí o medo grita forte: será que vou dar conta? Vai sim, você vai dar conta.

Me lembro de no meio do período inteiro da tentativa de desfraldar a Milena eu pensava o tempo todo: “não vou dar conta, ela simplesmente vai usar fraldas a vida toda”. Quando em um curso uma mãe me disse: “eu tenho a solução para você”, eu fiquei tão esperançosa que até suspirei de expectativa para o que ela ia dizer e ela disse: “não compre mais fraldas”. Veio um desânimo tão, mas tão grande… eu imaginava a sujeira, as birras, a impossibilidade de ir a um lugar público… (sim, eu tendo ao drama) e neguei aquele conselho por quase um ano.

Um dia, do nada me lembrei do conselho depois de ter tentado de tudo, inclusive levar para dentro da minha casa uma terapeuta estrangeira que me cobrou em dólares para me dar uma série de estratégias que fracassaram uma a uma. Lembrei da Cecília dizendo que eu não comprasse mais fraldas e assim eu fiz. Em menos de quatro meses Milena estava desfraldada. Por que demorei tanto? Porque eu sabia que seria difícil, porque eu neguei o processo e queria apenas a solução.

Esta semana estou completamente marcada pelo diálogo com uma mãe. Assim como eu, ela busca o diagnóstico do seu bebê. Eu não pude dar a ela as respostas, eu não pude dizer se a criança tem Autismo ou não (absolutamente não cabe esse papel), mas uma pergunta dela está ressoando na minha cabeça até agora. Após a nossa longa conversa, após eu ter tentado acalma-la neste momento difícil ela me diz: “uma última pergunta, você consegue ser feliz?”

Esse questionamento me trouxe a régua que mede a profundidade deste medo materno frente a um possível diagnóstico. Como nos filmes eu me revi nesta pergunta, lá atrás quando a Mi com três quatro meses não se aninhava no meu colo nem me olhava para mamar. Quando ela parecia não ligar para os meus carinhos e ficava horas olhando a mãozinha. Mas também me levou para sala de parto da minha segunda filha, hoje uma mulher linda, mãe e esposa. Me levou também para a lembrança do meu primeiro filho bebê e eu ainda muito jovem, olhando apaixonada para ele e dizendo: será que você será uma boa pessoa? Sim, ele é hoje lindo, definitivamente uma pessoa do bem, minha filha também e tudo o que aquela mãe do passado esperava aconteceu depois de muita luta…

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Um mundo de incertezas nascia nesta época.

Eu sei que se o futuro de nossos filhos típicos nos enchem de medo, mais ainda do nosso filho diferente. Eu sei que vale tentar mudar isso, sei que vale chorar e vale até negar (que seja por pouco tempo por favor) pois cada pessoa é única. Mas o Autismo não é sentença de luto, nem de morte, nem de dor.

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Pois então meus queridos pais, mães, avós, tios, irmãos… o Autismo na vida da gente não traz nada de tão extraordinário assim, ele traz coisas que já existem no nosso mundo interno, mas que estão muito bem seladas. Ele vem para rasgar de forma violenta mitos, medos, preconceitos e nos expõe assim de forma inesperada.

Nos tira da zona de conforto para nos mostrar um mundo completamente novo. Como vai ser esta viagem para você? Vai depender do seu olhar, do seu desprendimento, do tamanho do seu botão de: “dane-se o mundo o que importa é meu filho”.

Se eu consigo ser feliz? Acho que está bem claro em todos estes dez anos de blog. Se ser feliz é ter o privilégio de sentir um amor que não cabe em mim de tão imenso, se ser feliz é receber um carinho sem hora e sem interesse, se ser feliz é aprender que o meu filho não vai ser o que eu quero, mas vai ser ele mesmo e gostar de aprender isso e gostar do jeito dele ser,  se ser feliz é se sentir completo, se ser feliz é amar muito, se ser feliz é ser amado… Sim, definitivamente eu sou!

Choro muito e sofro pra caramba como todo mundo, não sou feliz porque moro fora do Brasil em um mundo perfeito (não é perfeito, eu já era feliz nos 47 anos que vivi no Brasil), não sou feliz por que sou rica, (pois não sou), nem por nada mais externo, sou feliz por saber que ainda estou em construção, por saber que não sou perfeita nem tentar ser (só de vez em quando) e por respirar.

Eu acho que sou feliz porque minha gratidão por estar viva e pelos meus filhos estarem vivos excede a tudo o que não tenho, supre todas as faltas. E quanto a Milena, sem dúvida nenhuma, a descrição que mais a define é justamente esta: Milena, uma garota feliz.

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Este sorriso no rosto e a alegria de viver é sempre nosso maior ideal!

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Eliane Bartel Ishihara
Eliane Bartel Ishihara
8 anos atrás

Boa noite Fausta!! Eu conheci seu blog através da Andrea da Lagarta… E definitivamente as suas palavras me fazem chorar e me deixam muito mais fortalecidas do que você possa imaginar.. Meu filho tem 02 anos e 05 meses e apresenta algumas características autísticas.. Quando eu comecei a desconfiar, meu chão sumiu e eu chorei por muito tempo, mas através do seu blog e da Andrea consigo me fortalecer e seguir em frente…Obrigada, muito obrigada por tudo..Um grande beijo

Isolda
8 anos atrás

Uma vez, faz alguns anos, conversando com um cego, ele me disse: “as pessoas acham que eu sofro por ser cego. De jeito nenhum! Eu sofro é por ser gente. Não tem tanta gente que não é cega e sofre também?” Ser feliz e infeliz segue a mesma linha de pensamento. Não é um filho autista que lhe fará infeliz, embora exista essa ideia pre-concebida socialmente. Também não é um filho típico que lhe fará feliz, outra concepção prévia. Felicidade é ter peito aberto para encarar tudo e todos, até mesmo a possibilidade de ser um pouquinho infeliz aqui, outro… Leia mais »

Elisabete Santos
8 anos atrás

Querida Cristina, que dom com as palavras que tens amiga. E assim, chegando devagarinho, acalentando o nosso coração, abraçando a nossa alma e juntando forças para viver. Viver feliz e plenamente será sempre um desafio diário nas nossas vidas, de todos os seres vivos deste planeta. Por vezes há que romper conceitos pré-formatados da sociedade e cultura de onde vivemos, para faze-lo em pleno. “Onde está o nosso olhar, aí está o nosso tesouro”… e a tão desejada felicidade. Simplificar é muitas vezes a resposta. Obrigada e beijo nesse coração puro 🙂