Nós e a mudança

Antes de mais nada obrigada a todos pela repercussão do texto sobre inclusão, foram meus cinco minutos de fama que não me fizeram nem um pouco vaidosa, mas consciente de que o tema merece reflexão e cala no coração de todos… obrigada para quem divulgou, recebi inúmeros emails e mensagens sobre a chegada em reuniões e cursos escolas afora pelo Brasil, ganhei meu mês sabendo disso 🙂

O que seu filho perde com a inclusão

De mudança

Eu queria ter vindo antes trazer notícias da nossa viagem, cheguei a escrever alguns textos, mas não havia paz interior e quietude que me fizessem aprovar o que eu escrevia, desculpem pela demora. Sei que prometi manter todos atualizados, mas eu sei que vão entender.

Uma casa empacotada e muitas despedidas...

Uma casa empacotada e muitas despedidas…

A viagem foi ótima, Milena dormiu a noite toda, mal esperou a refeição chegar. O nosso cansaço não foi só de tudo o que envolve uma viagem internacional – arrumação, espera, aeroportos, filas– foi também pelas despedidas doídas que tivemos que fazer, as coisas que deixamos para trás e ansiedade do que estava por vir. Milena então dormiu aquele sono pesado e eu sabia que isto me comunicava (olha a gente lendo comportamento) o quanto as últimas horas exigiram dela.

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Correria, carinha de ansiedade e sono pesado. Livro de atividades para o avião: presente da Angela, nossa fono querida.

Chegar em Londres depois da noite toda e uma manhã inteira viajando é complicado pois do desembarque até a chegada em casa vão quase três horas. Quando chegamos na nossa adorável casa provisória a gente só conseguiu tomar banho, comer e dormir. As quatro horas de diferença de fuso horário pesaram bastante nos primeiros dias, além do sol que nasce as quatro da manhã e se põe quase nove da noite… é para bagunçar qualquer relógio biológico né?

Nem dá para acostumar com o lugar ainda... a hora ainda é de mudar!

Nem dá para acostumar com o lugar ainda… a hora ainda é de mudar!

A procura de casa tem sido intensa e nada fácil. Aluguel aqui é muito, muito caro e não tenho visto particularmente, muita vantagem em morar muito longe das regiões mais centrais onde consigo mais opções de escola. Pelo menos o preço dos imóveis não são tão absurdamente diferentes (o tamanho sim) então preferimos ter uma escola boa mesmo abrindo mão do espaço e ficar o mais perto possível do trabalho do papai e ter ele com a gente mais tempo, mas quando eu digo que é perto é aquele perto de grandes cidades onde meia hora de metrô é muito perto!

Tão interessante entrar nas casas, quase todas mobiliadas e até garfo e faca tem. Algumas muito, muito velhas mas reformadas, algumas com séculos de idade, algumas novíssimas. Em alguns lugares é como se a gente pudesse tocar nas vidas que viveram ali. Como deixei tudo o que eu tinha para trás, não deixa de ser um exercício de trocar de vida. Inimaginável para algumas pessoas que conheço.

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E no meio da procura e da espera a gente passeia, um pouco de resistência que a gente vence na paciência :]

Seguimos procurando, já sabemos a escola que ela vai estudar, agora é seguir procurando o lugar. Falo da escola em um post especial, visitei a Queensmill que é uma escola construída especialmente para pessoas com Autismo, ambientes sensoriais, tudo pensado para a galera, conto mais depois ok?

Falando dele: o Autismo

Todo o trabalho comportamental que fizemos em quase dez anos (Milena tinha mais de dois quando finalmente começamos) mostra agora toda sua força. Eu não me refiro a ABA aqui, nem a terapia um a um apenas. Eu falo da filosofia comportamental para a vida de alguém com autismo que para mim muito particularmente se resume em: nomear as emoções, ser específico nas ordens e comunicação em geral, ignorar comportamentos desafiadores sem ignorar a criança, interpretar o que o comportamento está comunicando, premiar ou elogiar os comportamentos adequados, redirecionar a atenção, enfatizar o que pode ao invés do que não pode.

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Por isso se você está na jornada do Autismo saiba que os resultados que você procura e não encontra aparecem quando você menos espera e fazem muita diferença, por isso não desista!

Voltando… todo este clima de indefinição teria transtornado nossa vida a alguns anos atrás, seriam birras e crises.

Nesta fase, decidi me valer do concreto, utilizei muito os objetos para fazer algumas pontes. Ficar longe da escola era difícil, a Milena então deu um jeito de conseguir um objeto que ela queria muito de cada uma das amigas (não é novidade ela querer, novidade é a gente permitir). O chaveiro da Duda, o Furby da Julia (conseguido a base da troca e da boa vontade da Juju) a pulseirinha da Marcela… Ficar longe da Dora, a segunda mãe da Milena em Porto Alegre era complicado, ela arranjou uma blusa “com cheirinho da Dolinha” e assim por diante.

Para vincular com Londres ela juntou a mesada e nós compramos com este dinheiro um Furby que ela queria muito… Foi esperando este Furby chegar e colocando neste brinquedo, que é o tema de interesse dela nos últimos anos, que ancoramos o nosso trabalho de preparação para tudo de novo e diferente que viria no mudando para cá.

Associado a isso fomos elogiando, ignorando, explicando o que acontecia com ela e mostrando que acontecia com a gente também… que eu estava nervosa, que a gente perdia o sono. Revimos todas as fotos de Londres, do tempo em que estivemos aqui e eu sempre focando no que não mudaria: nós três juntos, acordando, comendo, dormindo na rotina de sempre mas em um lugar diferente.

Ainda assim ela tem demonstrado seu estresse e ansiedade em gestos impulsivos que não aconteciam já a algum tempo, ela pede um milhão de desculpas depois. Eu não chamo a atenção, ela mesma sabe que errou. Explico o que ela poderia ter feito ou dito, mas faço isso em outro momento, na hora da raiva eu redireciono apenas, levando para outro lugar, mudando de assunto, falando do furby ou de alguém que ela gosta muito.

Falta de rotina

Como a muito tempo estes rompantes de raiva não aconteciam, fico imaginando que eles vêm com toda a ansiedade em relação ao desconhecido e à falta de rotina. Penso então o quanto ela sofria com isso quando era menor, para ela tudo era desconhecido e a rotina nunca foi previsível, mesmo com tudo o que eu contava para ela que ia acontecer, antecipando tudo que era possível, ela devia enfrentar medos e receios o tempo todo!

Acho que sei bem o que é isso, eu achava que estava calma com essa mudança, mas meu corpo me disse o contrário e um monte de alergias e infecções me disseram o quanto lidar com esse desconhecido que estava aqui me esperando, me aterrorizava por dentro.

As birras são expressões, é comunicação de frustração e de dificuldade em lidar com algo. Elas acontecem como o apito da panela de pressão, serve para aliviar, para expressar todo o mundo de anseios e medos e incompreensão que está acontecendo internamente. É preciso estar atento a isso e enfrentar esses episódios de birra com sabedoria e respeito. Não é fácil, tem que ser super herói para conseguir, mas nós somos muito super – super mães, pais, professores… somos ou não somos? Eles muito mais !

Bom pessoal, fico por aqui transbordando de carinho e saudades. Não sei que o post foi diferente, mas com toda essa estranha nova rotina e demandas não consigo me inspirar muito… Para você que teve paciência de me ler até aqui, obrigada! Um grande abraço e até mais.

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Luciana de Oliveira Bridi
Luciana de Oliveira Bridi
8 anos atrás

Que legal Cris! Bonito ver que mesmo não sendo fácil toda essa mudança e o turbilhão de emoções que vêm junto, estão conseguindo encontrar um caminho de adaptação. Sigo por aqui aprendendo contigo. Beijão. Lu Bridi

Juliana
Juliana
8 anos atrás

Primeira vez q consigo comentar nesse seu novo site!!! Bom Cris, toda adaptação é difícil, eu mudei de casa recentemente (há 4 meses) meu pequeno (6 anos) adorou o quarto novo (dormiu sozinho pela primeira vez) não deu um pingo de trabalho com a mudança, resolveu sair pela primeira vez na rua há uns 2 meses atrás e foi andar de bicicleta… levou um tombo! agora não quer mais bicicleta, não quer mais ir na rua, só quer ficar na “casa nova” como ele diz… estou dando tempo ao tempo, mas… como eu morava em apto eu sonhava em vê-lo… Leia mais »

Évelyn Gennaro
Évelyn Gennaro
8 anos atrás

Fausta, olha eu de novo! Quase nunca comento, mas estou aqui, na torcida por vocês! Mais uma vez seu post me agrega conhecimentos! Que Deus continue te dando sabedoria, forças e muita saúde para continuar sua jornada! Um beijo para você e MIlena! Tudo de bom aí em Londres!!!