Frustração

Uma das coisas que mais tento fazer nos últimos anos, muito sem sucesso admito, é tentar me colocar no lugar das pessoas que tem Autismo, lidando todos os dias com dificuldades variadas. Eu vejo que não temos muita empatia para muitas situações pois o que eles passam a todo momento, nós vivenciamos vez ou outra e quando acontece com a gente, lançamos mão dos nossos recursos internos e lidamos com as situações de um jeito ou de outro.

Nada como uma situação coletiva tão frustrante como a feia derrota do Brasil na Copa para usar como exemplo de frustração diante de uma situação onde não nos cabe fazer nada. Este sentimento que cada brasileiro experimentou, este gosto amargo na boca como um misto de vergonha e indignação… é sentido por muitas pessoas com autismo diante dos desafios imensos em que são colocados ao longo de suas vidas.

O tamanho de uma frustração

Sim, não há exagero aqui. Basta ler um pouco ou conversar com autistas que conseguem nos contar, que ficamos espantados com tamanha intensidade da frustração que vivenciam, por muitas vezes ficando assim, sem ação, sem repertório para reagir ou nomear ou mesmo dar andamento às suas vidas.

Estabelecemos algumas regras de convivência que eles não entendem porque não tem lógica, daí eles se empenham em aprender e seguir mas de repente, nada do que fazem é visto, alguém chega fazendo o contrário e se dá super bem e o mundo deles desmorona. Ninguém explica e pouca gente nota.

Um adolescente me contou uma vez que entrava na faculdade e todos diziam que seria mais difícil, mais “puxado” que no ensino médio, então ele se preparou as férias inteiras, estudou antecipadamente, até decorou alguns textos e quando as aulas começaram demorou mais de uma semana até que algum professor desse a primeira aula, seus amigos faziam festas e bebiam muito, ninguém parecia estudar e de repente ao final do semestre ele se deu mal em uma matéria porque sua dificuldade não permitiu que ele se envolvesse em um grupo e fizesse uma boa apresentação oral.

Ao tentar gritar para o mundo sobre a sua dor, se sentiu desmerecido pois ele só ouvia que era “apenas” uma disciplina para fazer de novo, mas ele se sentia derrotado, sem entender a lógica daquilo tudo.

A dor de um sonho perdido

Diante da derrota do Brasil na copa, nós temos pelo menos, mais duzentos milhões tão frustrados quanto nós e mesmo que as nossas defesas nos façam acreditar e mascarar a nossa frustração ou descontar a raiva reclamando do salário dos jogadores, blá, blá, blá… vamos no fundo sentir muita tristeza e guardar por um tempo na última gaveta a nossa bandeira ou camiseta.

bandeira

Diante da frustração diária, a minha filha não tem nada para guardar, ela vai seguir fazendo sua estereotipia e continuar recebendo rótulos, vai continuar tentando se inserir em um grupo de amigos e ver cada vez menos sentido nas tais convenções sociais.

Eu sei que certas comparações nunca irão construir nada e é óbvio que sentimento não se categoriza, nem se mede tamanho de dor. Mas eu queria muito que a gente pudesse se lembrar que um título de campeão no futebol vale o mesmo que um sonho perdido para muita gente e que a cegueira para as diferenças, pode representar pequenos sonhos diários que deixam de ser conquistados. Um sonho de aceitação, de um emprego ou namorado, de um professor que avalie de outra forma, de um familiar que não veja somente as falhas…

Bom, eu vou ali expor a minha bandeira na janela, pois eu acho mesmo que a hora é agora. Sou mais brasileira nas quedas e nas dificuldades, este tem sido muito mais mais meu campo até hoje sem que eu faça disso um drama. Das tantas coisas que o autismo fez ter um novo significado na minha vida, esta é sem dúvida uma delas: a resiliência para além dos jogos de futebol.

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