Bem vindo, décimo primeiro ano de vida!

Hoje a Milena completa 11 anos. Eu pensei em um milhão de coisas pra postar neste dia especial, mas a vida… ah! a vida que acaba nos mostrando que a gente tem o comando, mas ela dá a direção. Pois bem, esta semana minha garotinha se tornou uma mocinha, recebemos a surpresa e preciso confessar que foi um sufoco por aqui. Fizemos uma preparação de muitos meses de antecedência, mas mesmo assim, claro, é uma transformação grande demais e por isso a gente está agora como quem sai de um furacão de emoções. Mas mesmo com um certo improviso, eis o post especial de aniversário.

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38 semanas

Passei os últimos meses em casa, pedi demissão e dediquei tempo total aos arranjos para o nascimento da Milena, fiz hidroginástica, organizei o quartinho e fiquei muito feliz quando soube na consulta semanal, que estava em trabalho de parto. Queria muito meu terceiro parto normal, mas depois de um dia inteiro, uma noite e uma manhã tivemos que optar pela cesárea. Consegui me acalmar e foi um parto bem tranquilo, Milena chegou ao mundo com um apgar ótimo, 3,450 kg e uma fome impressionante.

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Primeiros meses

Uma linda e saudável bebê e eu que adoro ser mãe curti muito a minha terceira experiência na maternidade, mas… aquele era um bebê diferente. Tão quietinha e eu que amamentei meus filhotes tanto tempo, não conseguia ter com ela a mesma experiência na amamentação. Aos quatro meses, ela não curtia brinquedos e nem fixava o olhar, todas as minhas luzes de alerta se acenderam.

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Penumbra

A pior fase da minha vida inteira estava começando e até hoje é dolorido pensar nela. Incertezas, busca de respostas, um bebê diferente demais, mas diferente por quê? Sempre que penso nesta fase, me imagino na penumbra, perdida em um nevoeiro e a única luz que me guiava era minha fé, a única certeza o amor.

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Primeiro ano

Já tínhamos o primeiro diagnóstico, Transtorno Invasivo do Desenvolvimento um nome que agrupava comprometimentos assustadores. Mas eu me guiava na doçura daquela criança que colocava em cheque tudo o que eu sabia sobre educar alguém… O curso de pedagogia em andamento e o estudo do desenvolvimento infantil me dizia que os desafios estavam postos e nesta fase eu já mostrava cada detalhe do mundo pra ela, não a deixava sozinha nunca, interferia quando ela se isolava e brincava, brincava o tempo todo. Comecei a desconfiar de autismo e fiz minhas primeiras e desorientadoras pesquisas.

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Dois anos

Papai foi transferido para o Rio de Janeiro, ficamos muitos meses nos vendo quinzenalmente, tive que aprender de vez a dirigir e não podia me dar ao luxo de ser reprovada no exame de direção. Eram centenas de quilômetros semanais entre uma terapia e outra. Apesar de não ter um laudo de Autismo, minhas leituras e estudos me mostravam que era esse o nome do meu grande inimigo. Era assustador apontar algo para ela e ela não acompanhar a minha mão, ou dar um brinquedo lindo e ela parecer não se dar conta de quão divertido ele era.

Por orientação dos profissionais que a atendiam (já eram seis) ela foi para a escolinha conviver com outras crianças e era ainda mais doloroso ver a gritante diferença de atenção e interação. Eu não sabia o que fazer, mas já sabia, pelo menos, o que não fazer. Ninguém me confirmava autismo, diziam que era ainda muito cedo.

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Três anos

Mudamos para o Rio também, Milena foi para uma escolinha, encontrei a Mão Amiga, a lista de discussão do Yahoo grupos e aprendi muito com a experiência de outros pais. Milena não falava, não reconhecia objetos, dava birras assustadoras, tinha hipotonia e mesmo com a intensa fisioterapia e terapia de integração sensorial, tinha atrasos importantes no desenvolvimento. Ela também tinha infecções repetidas e nossas idas para a praia eram um grande desafio diário, mas também um excelente canal de interação com a natureza, com as pessoas e também um ótimo ambiente estimulador.

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Quatro anos

Tivemos que mudar de escola, o que acabou sendo muito bom. Milena tinha uma excelente fono, nossa grande amiga Mônica Accioly, começamos com a homeopatia e sua saúde melhorou muito, começamos também a dieta sem glúten e sem leite. Eu acompanhava o progresso de algumas crianças que estavam fazendo a dieta e pensei que mesmo não acreditando muito, eu deveria tentar pois com certeza mal não faria. Foi muito bom para a Milena, a fala deslanchou e as birras melhoraram muito, diminui a agitação intensa e as coisas começaram a melhorar. Eu já falava de autismo com desenvoltura e os médicos passaram a me respeitar muito mais.

Depois de um diagnóstico errado, de um grande nome do autismo no país, que dizia que ela não tinha autismo, fomos para São Paulo para uma avaliação multidisciplinar com uma grande equipe liderada pelo Dr.Salomão Schwartzman, sim ela estava no espectro do autismo, o bom é que agora eu tinha um laudo pra dizer o que eu já sabia.

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Cinco anos

Uma fase melhor. Com a fala tudo ficou um pouco mais fácil, mas era preciso traduzir as palavras, interpretar emoções e comportamentos. Precisava traduzir o mundo pra ela o tempo todo, dizer a ela que ela estava triste, contar pra ela o motivo (desvendar este motivo na maioria das vezes).

Era preciso ensinar. O que as crianças típicas aprendiam com a observação, nós tínhamos que mastigar para ela. Comecei com as agendas, o objetivo era criar uma rotina diferente, variada mas que ela entendesse o que estava previsto para acontecer no seu dia e pudesse se organizar internamente para as demandas. Fase do objeto inusitado, se agarrava a um pente ou escova de dentes e até um rolo de papel higiênico já foi objeto de estima.

Passamos por outra grande mudança, voltamos pra Minas Gerais. Perdemos a nossa praia e a cidade que amávamos morar, mas como brinde, ganhamos a convivência com os primos, com a família e a terapia comportamental.

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Dos seis aos oito anos

Começamos uma fase de acomodação, já tínhamos entendido as “regras” do jogo. Junto com outras mães e amigas, fundamos o Instituto Autismo e Otimismo e ali pude compartilhar o que aprendia nos cursos, encontros, livros, palestras que eu buscava Brasil afora.

Milena me mostrava um mundo totalmente novo. Nada do que eu conhecia fazia mais sentido, já não ligava para as suas eventuais birras em público, aprendi a tirar o melhor de toda situação. O autismo não me assustava mais, a doçura da minha filha era cada vez mais evidente… carinhosa, atenciosa, sensível, me dava provas de que não olhava direito e nem prestava atenção, mas era capaz de perceber mais do que qualquer pessoa, como quando alguém estava triste e ela se esforçava para mostrar que se importava.

Em casa fazíamos uma teatralização de tudo o que queríamos que a Milena aprendesse, compartilhávamos tudo, contávamos sobre nosso dia, mostrávamos um para o outro tudo o que era relevante ou não. Cada progresso era motivo de festa e as comemorações eram frequentes. Aprendemos a falar não sem limitar a ação da Milena, isso ajudou muito para que ela se organizasse, sempre mostrávamos as possibilidades e direcionávamos sua atenção para o que era adequado.

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Nove e dez anos

Paixão total. Todo o medo, angústia e incerteza deixou de ter espaço prioritário na nossa vida, Milena nos mostrando a beleza de sua personalidade, nos desafiando a sermos melhores. Eu, particularmente, me tornei muito mais coerente entre o que queria do mundo e o que preciso me tornar neste mundo. Passei a ver a diferença do outro tentando relacionar com o quão diferente minha filha é. Estou mais feliz.

Mudamos para Porto Alegre, encontrei pessoalmente e solidifiquei amizades virtuais que me deram acolhida. Fundamos o Instituto Autismo e Vida junto com um engajado grupo de pais. Desafio de escolas, portas se fechando numa recusa injustificável, novas demandas para o coração sensível da minha princesa. Muito trabalho no Instituto, oito meses em Londres, desafios diários.

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A sensação agora é que o trem que partiu lá atrás (história de mineira tinha que ter um trem) envolto em uma nuvem de fumaça em meio à neblina densa, passa finalmente por paisagens já conhecidas. Revela cenários lindos, estradas pouco visitadas, pedaços de céu incríveis e eu fico feliz por ter tido o privilégio de fazer esta viagem. Queria que o trem parasse e eu descesse na estação das vidas comuns e Milena seguisse uma vida típica. Seria bom ter certeza de que ela teria autonomia, indepedência e conseguiria seguir com sua própria viagem, mas não me parece que temos por enquanto esta opção.

O trem segue e estamos bem. O privilégio de ver o que vemos tem sido muito bem aproveitado e eu ainda teimo em tentar mostrar para os outros passageiros, aqueles dos vagões da neblina, que a janela da frente tem vistas deslumbrantes. Seguimos vivendo.

Filha, mamãe fala em gestos, atitudes, palavras, tudo o que precisa ser dito, mas hoje é seu aniversário e eu quero registrar aqui o quanto você direcionou a minha vida. O maior de todos os obstáculos eu consegui vencer motivada pelo instinto materno da proteção. Quando você chegou exigindo de nós cuidados especiais, eu movi todo o meu interno, retirei preconceitos que eu nem sabia que tinha, coloquei pra fora os medos, me descobri capaz de coisas que nem imaginava. Hoje vejo o quanto isso me fez bem, por isso ser sua mãe foi um presente e eu só tenho que te dizer, obrigada! Queria ser poeta, queria ser heroína, queria ser médica só pra poder te dar mais, mas de certa forma nesta equação do autismo, tudo o que você demanda se transforma em dádiva para mim, a mãe.

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Obrigada princesa por me trazer até aqui. Por trazer toda sua família linda, por mobilizar o melhor em todas as pessoas, por nos desafiar a sair dos nossos cômodos lugares. Seguimos peitando o mundo, agora de mãos dadas contigo e plantando novas flores nesta linda estrada que você nos leva a trilhar.

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[…] leu meu post de comemoração dos 11 anos da Milena, vai ter ideia do que estou contando. Tiveram momentos realmente muito assustadores nesta jornada e […]