Milena e a morte

DSC04216Quem me acompanha no blog há mais tempo, sabe da luta do meu paidrasto há muito tempo. Ele está na minha vida desde que eu tinha três anos de idade e claro, tivemos nossos altos e baixos como acontece em tantas famílias. Mas nos últimos anos nos tornamos mais que amigos, nos tornamos pai e filha e sua luta pela vida com tanto vigor e obstinação nos fez acreditar que ele continuaria conosco por mais um bom tempo. Por isso sua morte foi uma surpresa embora sua saúde estivesse tão debilitada, e a dor que eu senti me pegou de surpresa. Como nunca perdi ninguém tão próximo foi algo assustador, inesperado e mais forte do que eu podia imaginar.

No dia que recebi a notícia de que ele estava em processo de óbito com falência múltipla de órgãos, comprei as passagens e corri até a escola para buscar a Milena, disse a ela que iríamos para Uberlândia e ela ficou muito empolgada e feliz. Preocupada, avisei a ela ainda no carro que o vovô estava doente e que a gente não estava indo de férias e nem para passear, mas que era pra visitar o vovô e provavelmente as pessoas estariam muito tristes. Na meia hora de trajeto até em casa ela ficou em silêncio e quando parei o carro na garagem olhei para trás e ela estava com as mãos no ouvido e carinha assustada… Eu fiquei tão absorta no trânsito e na minha tristeza que esqueci que deveria ter explicado mais para minha doce menininha.

Antecipando acontecimentos

Desde que Milena era um bebê fui orientada a antecipar os acontecimentos descrevendo para ela tudo o que faríamos, onde iríamos, quanto tempo estaríamos naquele lugar e o que encontraríamos lá. Estas descrições que começaram antes dela completar um ano de idade diminuíram bastante a sua agitação e comportamentos inadequados. Assim, eu precisava dizer a ela sobre a experiência que iria vivenciar, o problema é que nem eu sabia como seria. Foi um momento muito difícil.

Quando Milena ainda tinha seis anos, precisei ir ao velório de um primo, levei-a com o cuidado de mantê-la distante do local onde estava o caixão. No entanto, ela escapou e viu de longe o corpo, colocou as mãos no ouvido e mais tarde perguntou o porquê do caixão. Expliquei que era como se fosse uma cama em que se deitava uma pessoa depois que ela morria e que 7351depois disso esta pessoa iria para morar com “papai do céu”. Foi o suficiente naquela época.

Desta vez, também foi ao velório, mas se manteve distante, dei uma volta com ela pelo jardim e ela, estava visivelmente abalada. Disse a ela que ela poderia me perguntar o que quisesse e ela perguntou: – “é seu cabelo? Cor é ele?”… eu respondi e insisti se ela queria saber mais outra coisa e ela pediu enfática: – “não fala, tá bom?”

Minha Milena estava estabelecendo seu limite. Enquanto seus primos choraram, minha pequenina Luiza de quatro anos disse que o vovô tinha morrido com naturalidade, minha filha se entristeceu olhando o quarto dele. Não perguntou por ele… Nos últimos tempos ela nem chegava perto dele. Depois que ela o viu sem a perna que foi amputada em fevereiro, ela se sentia agoniada. Parece que achava que ele sentia dor e olhava penalizada. Ela que já não gosta de abraços, não abraçou nem chegou perto mais. Ele que nem parecia estar sem perna, quase pronto para usar uma prótese, ficava bem triste com a reação dela, mas ninguém falava nada.

Não vamos esquecer

O quanto Milena entende sobre a morte eu não sei, pois não vou forçá-la a falar sobre isso. Eu penso que ela tem a exata noção de que é permanente e sei que ela sente. O avô brincava com ela, sem jeito, sem noção de como se lida com uma criança com Autismo, mas eles se gostavam e isso era evidente. Sei que ela vai sentir sua falta, pois sua memória fantástica não vai deixar que ela se esqueça dele.

DSC07Quanto a mim, vou ampliando minha compreensão sobre o que é se sentir estranho perante acontecimentos que fogem às explicações racionais. Por mais que minha fé me mantenha firme, por mais que minha certeza de que a vida não acaba aqui me tranquilize eu sinto uma dor inconsolável, não por ele ter ido embora da vida na terra, mas por ter ficado um vazio, um espaço e por eu saber que não vou vê-lo mais… Meu parceiro de canastra, meu chato preferido, o homem que aceitou ser meu pai, avó dos meus filhos e bisavô de minha neta…

Quero finalizar este post direcionando minha fala pra que ele ouça onde quer que esteja: vovô “De Sousa” (desôza como diria a Milena): Muito obrigada!

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